terça-feira, 10 de julho de 2018

A Lei de Gérson Faliu

De um amigo, recebo um vídeo em que torcedores belgas aparecem debochando dos brasileiros ao som de Aquarela do Brasil. O alvo direto do esquete* é o jogador Neymar, cujo nome substitui no verso antológico de Ary Barroso a palavra Brasil: "Ô, abre a cortina do passado / Tira a mãe preta do cerrado / Bota o rei congo no congado / Neymar! Neymar!". Ao fim da estrofe, das mais belas da letra, os jovens atiram-se ao chão e se contorcem, simulando dores lancinantes.

 

Nacionalismo à parte, sinto um certo desconforto ao ver o nosso "outro hino nacional" servir de fundo musical para o desprezo irônico de estrangeiros. Mas, convenhamos, ultimamente temos feito senão por merecer o achincalhe. A Justiça brasileira que o diga, para não falar da corja que governa o país há coisa de dois anos. Quem sabe, as próprias ações do nosso craque ridicularizado...

 

Num outo vídeo aparece o português Christiano Ronaldo. Não realizando jogadas inacreditáveis ou fazendo gols espetaculares, que bem justificam a sua escolha como o melhor jogador de futebol do mundo, nos últimos cinco anos. Não, o que vemos é o português desculpando-se para com o juiz pela falta acidental contra um adversário, ou, cenas incontáveis no post, apresentando-se voluntariamente para ajudá-lo a se levantar, estendendo-lhe a mão ou alongando-lhe as pernas a fim de abreviar sua recuperação.  

 

É emblemática, por exemplo, a cena em que o centroavante português aparece auxiliando, solícito, o jogador Cavane a deixar o campo, machucado, pouco depois de o uruguaio selar a sorte dos portugueses na Copa do Mundo de 2018. Para não falar, vezes sem conta, quando o vemos debruçando-se para acolher nos braços crianças chorosas em presença do ídolo.

 

Saímos dessa Copa com alguma dignidade, é verdade. Mas existem lições a tirar disso, sem o que ficamos condenados a repetir, através dos tempos, o ridículo de nossa indigna vivacidade, o jeitinho brasileiro, como um Gérson extemporâneo para quem é preciso levar vantagem em tudo. 

 

Fingir, aparentar, dissimular, à feição do que fez Neymar durante os jogos da seleção, atirando-se ao chão e contorcendo-se por dores que não sentia, emporcalha a nossa imagem e dizem o porquê da zombaria a que estamos sendo submetidos. Complexo de vira-lata, dirão sobre a minha crônica. Não penso assim. É senso de realidade.

 

Esquecemo-nos, mais uma vez, de que existem os outros. Comentaristas sem preparo, atribuímos à falta de sorte a nossa desclassificação. Nunca ao talento alheio. A Bélgica deu aula de futebol naquele 2 x 1.

 

Equivocado, escrevi aqui que o futebol de poesia, como em 1970, haveria de vencer a prosa. Deu errado. A disciplina, a consciência de suas limitações, a humildade do time belga, na contramão do que fazem alguns dos seus torcedores, no vídeo a que me refiro acima, aliadas a um senso de aproveitamento estratégico das fragilidades do time brasileiro, explicam o resultado que não queremos aceitar: perdemos a hegemonia.

 

A educação de Christiano Ronaldo, todos deveriam saber, venceu a nossa falta de educação. Portugal, como o Brasil, foi eliminado da competição. Mas, nas modalidades mais sérias (distribuição de renda, justiça social, segurança pública), eles estão vencendo há muito tempo. É preciso atentar para as diferenças que separam os objetos de nossa veneração.

 

  • Do inglês sketch, é como se define, no teatro, um esquema preliminar em que se representam traços de um objeto ou de uma cena.   

 

 

 

 

 

 

 

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