Toda canção de liberdade vem do cárcere, Mário de Andrade.
Chega às livrarias Cartas da Prisão, de Nelson Mandela, coleção de 250 missivas escritas pelo líder sul-africano durante os 27 anos em que esteve preso (e incomunicável) por lutar contra o apartheid. Comoventes, arrebatadoras, mas sobretudo capazes de expor ao mundo as injustiças de que são historicamente vítimas as grandes lideranças populares, o livro chega ao Brasil em boa hora, não apenas por assinalar de forma marcante o centenário de Nelson Mandela, nascido em 18 de julho de 1918, em Transkei, África do Sul, mas pelo que enseja de reflexão acerca do momento político nacional.
Como evidencia Zamaswazi Dlamini-Mandela, neta do líder sul-africano, no prefácio à publicação das cartas, "o livro familiariza os leitores não apenas com o Nelson Mandela ativista e preso político, mas o Nelson Mandela advogado, pai, marido, tio e amigo, e ilustra como seu longo encarceramento, ao afastá-lo da vida cotidiana, era um obstáculo ao cumprimento desses seus papéis".
Na maior parte das cartas, em sua totalidade submetidas a regras inflexíveis de censura do sistema prisional de Robben Island, percebem-se os esforços que o missivista teve de mobilizar a fim de poder comunicar com um mínimo de exatidão as condições em que vivia como preso político. Mais que isso: Mandela tinha plena convicção de que "a despropositada e vexatória conduta das autoridades" tinha por objetivo apagar a sua liderança política e impedir que suas ideias continuassem a ecoar junto ao povo da África do Sul. Sob este aspecto, diz textualmente que todos os mecanismos "indicam uma intenção e uma diretriz deliberadas, por parte das autoridades, para me apartar e isolar de todo contato exterior, para me frustrar e abater, para me fazer cair no desespero e perder toda esperança e por fim me vergar" [sic].
Os métodos, pode-se ver, são os mesmos em qualquer país.
O certo é que, mesmo em condições impensáveis de repressão (Mandela era impedido de receber visitas que minimamente sugerissem conotações políticas), o líder sul-africano jamais silenciou, e revelou-se um missivista prolífico, bem na perspectiva do que materializam essas suas "Cartas da Prisão" ora publicadas.
Enquanto isso, no que constitui um fato digno de registro, a edição de hoje da Folha de S. Paulo traz com destaque, em sua seção Tendências/Debates, carta de um outro preso político de prestígio internacional, Luiz Inácio Lula da Silva. Intitulado Afaste de mim este cale-se, o texto da carta, a exemplo do que fazem perceber os belos escritos de Nelson Mandela, revelam um homem serenamente dedicado a pensar o Brasil, a identificar seus graves problemas e a indicar alternativas de ação. À dada altura, pontuando o equilíbrio com que soube inequivocamente conduzir o país, quando presidente em dois mandatos, Lula ressalta a sua vocação para o diálogo: "Não busquei um terceiro mandato quando tinha de rejeição o que Temer tem hoje de aprovação [algo em torno de 5%]. Trabalhei para que a inclusão social fosse o motor da economia e para que todos os brasileiros tivessem direito real, não só no papel, de comer, estudar e ter moradia".
Repetindo o que afirmara há três meses, pouco antes de ser conduzido preso a Curitiba, Lula conclama: "Querem me derrotar? Façam isso de forma limpa, nas urnas".
Quanto ao livro Cartas da Prisão, recomendo-o.
quinta-feira, 19 de julho de 2018
Cartas da Prisão
Professor de Estética, História da Arte, Literatura Dramática e Comunicação e Linguagem.
Escreve contos, crônicas e artigos de análise literária.
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