sexta-feira, 25 de julho de 2008

A renúncia de Fidel

O anúncio esperado da renúncia de Fidel Castro ao cargo de chefe de governo e comandante-em-chefe das forças armadas de Cuba parece-me concluir uma das etapas mais marcantes da História mundial. Como defensor da liberdade, é claro, vejo como positiva a decisão do comandante, mas, confesso, sinto-me tocado pelo que isso representa para a utopia das esquerdas nos últimos 50 anos. Passo em mente os avanços que a revolução trouxe para o país desde aquele longínquo 1º janeiro de 1959, quando a ilha deixou de ser um bordel dos americanos para se tornar uma Nação de iguais. Como se fora um filho de Cuba, sinto orgulho pelo desenvolvimento obtido nos diferentes campos - os essenciais, sobremodo. Estou falando da realidade do país em termos de saúde, educação, expectativa de vida e dignidade política, em que pese a face ditatorial do governo revolucionário.

Lembro das palavras com que o líder se dirigiu aos compatriotas em dezembro último, ainda abatido pela doença que, hoje, leva-o a decidir pelo afastamento: -“Minha tarefa essencial não é me agarrar ao governo nem obstruir a chegada de gente mais jovem, mas passar experiência e idéias cujo valor modesto surja dos tempos excepcionais em que vivi.” Desculpem, mas não consigo ver nisso senão uma demonstração de hombridade e sabedoria que me parecem ser marcas inconfundíveis de Fidel. Reconheço que não se pode mais pensar a revolução com os referenciais de um passado já distante, que o socialismo real mostrou-se inviável como modelo, que isso e aquilo outro, mas não consigo fechar os olhos para o que representou Fidel para as últimas gerações, uma das quais é a minha. Estou convencido de que a sua renúncia é o fato mais relevante desde o estampido que calou a voz de Che, em 1967.

Vi-o uma vez, a uma distância de 20, 30 metros. Era a primeira posse de Lula como presidente. Compúnhamos uma multidão em frente ao palanque onde se viam chefes de Estado os mais diferentes. Eis que ouço a voz de um jovem a poucos passos: - “Fidel, meu! Fidel, meu! É ele, vê lá! É Fidel, meu!” Não saberia descrever a emoção que tomou conta de todos naquele instante. Mas lembro que abri o mais largo sorriso de que já fui capaz, enquanto duas lágrimas, lentamente, caiam-me pelas maçãs do rosto. Foi aí que senti um aperto de mão da minha companheira. Olhei-a, e só então pude ver que estava em prantos, dominada pela força de sua emoção, maior e mais bonita que a minha naquele momento. Abraçamo-nos como que extasiados, acompanhando com olhos atentos a trajetória percorrida por aquele homem imensamente alto, para quem, em sortilégio, todos os olhares se voltavam, na eternidade de um instante. A praça delirava na presença do mito.

Durante quase cinco decênios, Fidel Castro sobreviveu a dez governos americanos - seus inimigos figadais -, a algo em torno de 600 tentativas de assassinato e a uma invasão dos EUA. A exemplo de Che, tornou-se revolucionário após abdicar do confortável cotidiano de filho de um latifundiário rico para se dedicar aos pobres de Cuba. Com dezoito homens, apenas, enfileirou-se contra Fulgêncio Batista e seu reduto de corrupção, máfia, jogatina, prostituição, que faziam do país, como disse, um tipo de bordel dos ricos norte-americanos. Arrebanhou apoio entre os camponeses da serra Maestra, enfrentou fome, sede, frio, sofrimento físico e emocional, até consolidar a vitória da guerrilha, em inícios de 1959. Colocou Cuba entre os países com melhores índices de crescimento social, acabou com o analfabetismo, deu-lhe status de país-referência em termos de saúde, elevou para 77,7 anos a expectativa de vida dos moradores da Ilha. Mas matou em nome da revolução e permaneceu no poder por 49 anos. Sem rasgos de esquerdismo caduco, lamento que só isso venha a pesar no julgamento que lhe fará a História.

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