A revista IstoÉ, desta semana, traz artigo do cantor e compositor Zeca Baleiro sobre a excêntrica lei Pimenta na Boca, que proíbe palavrões nos estádios de futebol da Paraíba. Sinceramente, desconhecia a existência de tão estaparfúdia medida.
O fato faz-me recordar um dos poucos momentos de intolerância do mais poético romancista brasileiro de todos os tempos, Jorge Amado, que, irritado com o purismo de um gramático de Salvador, que assinava críticas mordazes contra o uso do palavrão pelo autor de Tieta do Agreste, respondeu, no referido romance: - "Querem abolir da literatura brasileira as palavras que conseguem exprimir com exatidão, vigor e poesia, todo o cheiro, o sabor, a ternura, a perfeição, a eternidade: xoxota, xibiu e boceta, por exemplo."
Não ignoro com isso que o uso das palavras seja uma questão relevante num país que atravessa histórica dificuldade para estabelecer parâmetros mais civilizados e cordiais de convivência. Talvez por isso tenha eu mesmo uma preocupação reconhecida na utilização da linguagem com que torno públicas minhas ideias, mesmo nos casos em que o 'politicamente correto' torna menos espontânea a comunicação entre as pessoas, como me parece ocorrer em relação ao negro e ao deficiente, que devem ser tratados como afrobrasileiro e portador de deficiência (visual, auditiva e múltipla), respectivamente. Acho que aí entra uma questão de maior significado, como não camuflar ou desprezar as diferenças.
Em se tratando da esdrúxula lei paraibana, contudo, a coisa é mesmo inaceitável, bem ao gosto do 'baixo clero' das câmaras municipais, assembleias legislativas e do Congresso Nacional, onde são aprovadas leis absolutamente inócuas e sem nenhum sentido. Como não vou a estádios, no que me diz respeito, considero impensável não dizer palavrões diante da tevê sempre que um chute de um atacante do Botafogo 'tira tinta do travessão'. Ou quando o mais elogiado profissional de que se tem notícia, o juiz de futebol, agora só comparado ao político, deixa de marcar um pênalte em favor do glorioso de General Severiano.
O palavrão, em certas circunstãncias, não serve apenas para diminuir a pressão interior sempre que nos sentimos ameçados ou frustrados em uma dada situação, o que pode evitar muitas vezes atos, estes sim, intolerantes e agressivos. Muitas vezes a palavra de baixo calão, como se dizia antigamente, é dita com o cheiro e a ternura de que nos fala o escritor baiano. Nada tão carinhoso do que o fdp dito ao amigo que se reencontra depois de um longo tempo. O palavrão traduz com a exata intensidade aquilo que se sente nessas ocasiões.
O puritanismo de fachada da lei paraibana oculta questões muito mais significativas daquilo que deve nortear a busca da paz nos estádios, na contramão do que torna São Paulo, por exemplo, sob este aspecto, o mais delinquente estado brasileiro. Se "[...] o cuidado com as palavras faz parte da busca por patamares mais civilizados e inteligentes de convivência entre os seres humanos", como afirma Rodrigo Mendes, que preside importante Ong de inclusão no campo da arte e da educação, a excentricidade da lei Pimenta na Boca enseja uma curiosa reflexão em torno da espontaneidade e do bom humor como alternativas de ação contra a intransigência e a intolerância. Além de ser uma aleivosia, claro, contra o torcedor paraibano.
terça-feira, 30 de março de 2010
Pimenta na Boca
Professor de Estética, História da Arte, Literatura Dramática e Comunicação e Linguagem.
Escreve contos, crônicas e artigos de análise literária.
Dimas Macedo
Do escritor e acadêmico Dimas Macedo, vêm as palavras: - "Acabo de ler Do Amor e Outras Crônicas. Livro saboroso e humano, maduro, costurado por uma escritura leve e elegante, de grande correção estética e literária. Gostei, gostei muito do livro, e recomendo." Generosidade à parte, o comentário do conhecido autor vem ao encontro da boa receptividade do livro desde a sua publicação em fins de 2009. A obra continua à venda nas livrarias Siciliano, Deo Paseo e Santos Dumont, e Saraiva, do shooping Iguatemi.
Professor de Estética, História da Arte, Literatura Dramática e Comunicação e Linguagem.
Escreve contos, crônicas e artigos de análise literária.
quinta-feira, 25 de março de 2010
O Amor de Hoje
Outro dia, num restaurante da moda, uma moça sentou-se a meu lado tremendo de curiosidade: - "Vi sua entrevista na tevê sobre relacionamentos. A-do-rei! Posso ficar um pouco?" Como estivesse sozinho (e por uma questão de elegância de que não se deve abrir mão), puxei-lhe a cadeira. Não imaginei que começasse ali uma das conversas mais interessantes sobre este assunto a que tenho me dedicado desde a publicação de Do Amor e Outras Crônicas.
A moça, que deve estar na faixa dos trinta e cinco, pouco mais, pouco menos, acabara um relacionamento de onze anos e - disse-me -, saía de casa pela primeira vez nuna noite de sexta-feira. Como de praxe, nesses casos, tinha dificuldade para descrever em poucas palavras a trajetória percorrida até a separação. Nada de muito diferente do que todos sabemos. Vivera tempos de muita felicidade, mas, por volta dos sete, oito anos, começaram as intrigas recorrentes na vida de todo casal. O ex, que, até onde sei, é um típico machão, parece não estar sabendo lidar com a situação e a assedia na esperança de uma reconciliação. A menina vive um drama danado.
Pelo que vejo, e sobre o que tenho tantas vezes escrito, o homem moderno anda mesmo perdido. Foi pego de surpresa (de surpresa?) por uma autêntica revolução do comportamento feminino e está sem referência, querendo e não querendo conviver com a dura realidade: a mulher avançou com a velocidade de uma Ferrari e ele, tal qual um cego em tiroteio, não sabe que rumo tomar. O resultado é que o homem atual não sabe manter aquecida a relação, não tem o approch que ela considera hoje um item indispensável, usa as mesmas táticas de cortejar que já traz em si o cheiro do ultrapassado, numa palavra, não sabe amar. E a coisa deu no que deu.
A propósito, acaba de chegar às livrarias Chabadabadá - As Aventuras do Macho Perdido e da Fêmea que se Acha, do jornalista Xico Sá. Cabotinismo à parte, o livro pretende ser um manual de ajuda para conquistar mulheres. Não o li, mas conheço dele alguns fragmentos publicados por uma dessas revistas masculinas. "Rapazes, o amor acaba, o amor acaba em qualquer esquina, de qualquer estação, depois do teatro, a qualquer momento, como dizia Paulo Mendes Campos, mas ter medo de enfrentá-lo é ir desta para a outra mascando o jiló do desparazer e da falta de apetite na vida. Falta de vergonha na cara e de se permitir ser chamado de homem para valer e de verdade."
Mas, voltemos à mesa do restaurante. Ouvi mais do que falei, que nas circunstâncias da minha interlocutora, o que se deseja mais é poder falar. Não quero tirar conclusões precipitadas, mas lembrei de John Milton, o mais poderoso poeta de língua inglesa nos seus tratados sobre o divórcio e a separação. Para o autor de Paraiso Perdido, e para mim também, o verdadeiro segredo de um casamento é o companheirismo, e a incompatibilidade de temperamentos é que torna o divórcio melhor que a traição.
Já no estacionamento, pude ver que a nossa despedida, a depender da moça, poderia ter bem mais que adeuses. O amor de hoje.
A moça, que deve estar na faixa dos trinta e cinco, pouco mais, pouco menos, acabara um relacionamento de onze anos e - disse-me -, saía de casa pela primeira vez nuna noite de sexta-feira. Como de praxe, nesses casos, tinha dificuldade para descrever em poucas palavras a trajetória percorrida até a separação. Nada de muito diferente do que todos sabemos. Vivera tempos de muita felicidade, mas, por volta dos sete, oito anos, começaram as intrigas recorrentes na vida de todo casal. O ex, que, até onde sei, é um típico machão, parece não estar sabendo lidar com a situação e a assedia na esperança de uma reconciliação. A menina vive um drama danado.
Pelo que vejo, e sobre o que tenho tantas vezes escrito, o homem moderno anda mesmo perdido. Foi pego de surpresa (de surpresa?) por uma autêntica revolução do comportamento feminino e está sem referência, querendo e não querendo conviver com a dura realidade: a mulher avançou com a velocidade de uma Ferrari e ele, tal qual um cego em tiroteio, não sabe que rumo tomar. O resultado é que o homem atual não sabe manter aquecida a relação, não tem o approch que ela considera hoje um item indispensável, usa as mesmas táticas de cortejar que já traz em si o cheiro do ultrapassado, numa palavra, não sabe amar. E a coisa deu no que deu.
A propósito, acaba de chegar às livrarias Chabadabadá - As Aventuras do Macho Perdido e da Fêmea que se Acha, do jornalista Xico Sá. Cabotinismo à parte, o livro pretende ser um manual de ajuda para conquistar mulheres. Não o li, mas conheço dele alguns fragmentos publicados por uma dessas revistas masculinas. "Rapazes, o amor acaba, o amor acaba em qualquer esquina, de qualquer estação, depois do teatro, a qualquer momento, como dizia Paulo Mendes Campos, mas ter medo de enfrentá-lo é ir desta para a outra mascando o jiló do desparazer e da falta de apetite na vida. Falta de vergonha na cara e de se permitir ser chamado de homem para valer e de verdade."
Mas, voltemos à mesa do restaurante. Ouvi mais do que falei, que nas circunstâncias da minha interlocutora, o que se deseja mais é poder falar. Não quero tirar conclusões precipitadas, mas lembrei de John Milton, o mais poderoso poeta de língua inglesa nos seus tratados sobre o divórcio e a separação. Para o autor de Paraiso Perdido, e para mim também, o verdadeiro segredo de um casamento é o companheirismo, e a incompatibilidade de temperamentos é que torna o divórcio melhor que a traição.
Já no estacionamento, pude ver que a nossa despedida, a depender da moça, poderia ter bem mais que adeuses. O amor de hoje.
Professor de Estética, História da Arte, Literatura Dramática e Comunicação e Linguagem.
Escreve contos, crônicas e artigos de análise literária.
segunda-feira, 15 de março de 2010
Ensaios de Amor
Considero Alain de Botton uma das maiores revelações do romance moderno. Dele, havia lido O Movimento Romântico, entre os dois ou três já traduzidos para o português, mas só agora li o seu livro de estréia, Ensaios de Amor, com que me deliciei no final de semana. Botton nasceu na Suiça, em 1969, mas mora em Londres e seu nome figura como uma das maiores promessas da literatura inglesa da atualidade. Suas histórias giram invariavelmente em torno dos relacionamentos e percorrem a trajetória que todos fazemos entre o surgimento das grandes paixões, sua evolução e sua morte. O estilo é leve, sua prosa envolvente e os enredos estão sempre marcados por reflexões que assentam-se em diferentes campos do saber, como a filosofia, a antropologia, a literatura, a mitologia e a psicanálise.
Em Ensaios de Amor, vamos deparar com a história de amor, narrada em primeira pessoa, envolvendo um homem, de quem sequer sabemos o nome, e Chloe, por quem se apaixona perdidamente: - "E foi por sentir que éramos tão certos um para o outro (ela não só completava minhas frases, ela completava minha vida) que fui incapaz de considerar a ideia de que conhecer Chloe havia sido uma simples coincidência." O livro vai expondo a complexidade das relações amorosas e não surpreende que explore os caminhos e descaminhos que todos os amantes quase sempre haverão de trilhar um dia. O narrador e Chloe vivem momentos de intensa entrega, são felizes, brigam e separam-se quando ela se apaixona por Will e ele, o narrador, inicia o doloroso périplo entre a desilusão e a felicididade de uma nova paixão.
Tudo, no entanto, analisado com o olhar sensível e inteligente de um escritor original e muito divertido: - "O anseio por um destino não é nenhuma parte mais forte do que em nossa vida romântica. Por tantas vezes forçados a dividir nossa cama com aqueles que não têm acesso à nossa alma, não podemos ser perdoados se acreditarmos [...] que estamos destinados a um dia encontrar o homem e a mulher de nossos sonhos?" Bravo, Botton. A reflexão, se parece óbvia demais para constituir uma novidade sobre essa busca que move a vida de todos nós, vem com a força das percepções mais surpreendentes, invade os nossos espaços interiores vazios e atenua as nossas mais recorrentes inquietações sobre o tema.
O capítulo que intitula Elipse, por exemplo, chega a ser desconcertante e faz todo leitor ver-se na angústia que vive o narrador ao separar-se da mulher amada: - "Com sua partida, todo desejo de viver no presente havia ido embora. Eu vivia na nostalgia, ou seja, com referências constantes à minha vida com ela." E, mais adiante, "A dificuldade de esquecê-la era composta pela sobrevivência de muitas coisas do mundo exterior que havíamos partilhado, e às quais ela ainda estava ligada. Em pé na minha cozinha, a chaleira podia subitamente liberar a lembrança de Chloe enchendo-a, um tubo de pasta de tomate numa prateleira de supermercado poderia, por uma forma bizarra de associação, me lembrar de compras semelhantes meses antes."
Depois de fazer a lenta e sofrida travessia, registrada pela fina compreensão dos sentimentos vividos pelo narrador, Botton descreve uma das sensações mais contraditórias dos que vivem esta angustiante experiência: saber-se libertando-se da obsessiva recordação, dialeticamente causa ao amante desiludido uma nova dor, a de saber que o esquecimento do outro é o rompimento do último vínculo com o objeto amado.
O romance tem um final tocante. O narrador, finalmente livre da saudade, conhece outra pessoa, convida-a "para jantar na semana seguinte, e simplesmente pensar nela começou a provocar tremores pela região que os poetas chamam de coração, tremores que eu sabia que só podiam significar uma coisa: que mais uma vez eu havia começado a me apaixonar." Um livro mais que interessante. Recomendo.
Em Ensaios de Amor, vamos deparar com a história de amor, narrada em primeira pessoa, envolvendo um homem, de quem sequer sabemos o nome, e Chloe, por quem se apaixona perdidamente: - "E foi por sentir que éramos tão certos um para o outro (ela não só completava minhas frases, ela completava minha vida) que fui incapaz de considerar a ideia de que conhecer Chloe havia sido uma simples coincidência." O livro vai expondo a complexidade das relações amorosas e não surpreende que explore os caminhos e descaminhos que todos os amantes quase sempre haverão de trilhar um dia. O narrador e Chloe vivem momentos de intensa entrega, são felizes, brigam e separam-se quando ela se apaixona por Will e ele, o narrador, inicia o doloroso périplo entre a desilusão e a felicididade de uma nova paixão.
Tudo, no entanto, analisado com o olhar sensível e inteligente de um escritor original e muito divertido: - "O anseio por um destino não é nenhuma parte mais forte do que em nossa vida romântica. Por tantas vezes forçados a dividir nossa cama com aqueles que não têm acesso à nossa alma, não podemos ser perdoados se acreditarmos [...] que estamos destinados a um dia encontrar o homem e a mulher de nossos sonhos?" Bravo, Botton. A reflexão, se parece óbvia demais para constituir uma novidade sobre essa busca que move a vida de todos nós, vem com a força das percepções mais surpreendentes, invade os nossos espaços interiores vazios e atenua as nossas mais recorrentes inquietações sobre o tema.
O capítulo que intitula Elipse, por exemplo, chega a ser desconcertante e faz todo leitor ver-se na angústia que vive o narrador ao separar-se da mulher amada: - "Com sua partida, todo desejo de viver no presente havia ido embora. Eu vivia na nostalgia, ou seja, com referências constantes à minha vida com ela." E, mais adiante, "A dificuldade de esquecê-la era composta pela sobrevivência de muitas coisas do mundo exterior que havíamos partilhado, e às quais ela ainda estava ligada. Em pé na minha cozinha, a chaleira podia subitamente liberar a lembrança de Chloe enchendo-a, um tubo de pasta de tomate numa prateleira de supermercado poderia, por uma forma bizarra de associação, me lembrar de compras semelhantes meses antes."
Depois de fazer a lenta e sofrida travessia, registrada pela fina compreensão dos sentimentos vividos pelo narrador, Botton descreve uma das sensações mais contraditórias dos que vivem esta angustiante experiência: saber-se libertando-se da obsessiva recordação, dialeticamente causa ao amante desiludido uma nova dor, a de saber que o esquecimento do outro é o rompimento do último vínculo com o objeto amado.
O romance tem um final tocante. O narrador, finalmente livre da saudade, conhece outra pessoa, convida-a "para jantar na semana seguinte, e simplesmente pensar nela começou a provocar tremores pela região que os poetas chamam de coração, tremores que eu sabia que só podiam significar uma coisa: que mais uma vez eu havia começado a me apaixonar." Um livro mais que interessante. Recomendo.
Professor de Estética, História da Arte, Literatura Dramática e Comunicação e Linguagem.
Escreve contos, crônicas e artigos de análise literária.
terça-feira, 9 de março de 2010
Simplesmente Complicado
Dia desses escrevi sobre um amigo que reencontrara a ex decorridos dez anos desde a separação. O texto suscitou comentários pessimistas de alguns leitores, céticos em torno da possibilidade de que esse amigo e a ex - e atual mulher - sejam felizes. Reproduzo aqui dois desses depoimentos: - "Cristal que se quebra jamais terá conserto!" [sic]; - "Não se ama a mesma pessoa duas vezes!", diz uma outra leitora. A polêmica deita raízes desde tempos que já vão longe. É possível voltarmos a amar a mesma pessoa que um dia amamos e de quem, por alguma razão, nos separamos? Creio que sim,embora o caso em questão envolva um homem que, segundo ele mesmo afirma, jamais deixou de amar a então ex-mulher. E ela, ainda o amava ou voltará a amar depois do reencontro?, é o que todos haverão de perguntar.
Como a arte imita a vida, semana que passou, por coincidência, vou com a namorada assistir ao filme Simplesmente Complicado, a mais recente produção da diretora Nancy Meyers. O roteiro, bem na linha do que tem sido recorrente na obra de Meyers, explora os relacionamentos amorosos: Jane, interpretada à perfeição por Meryl Streep, é trocada pelo marido, Jake (Alec Baldwin), por uma mulher com a metade de sua idade, de resto um problema por demais comum na vida dos casais. O filme ganha densidade, contudo, pela forma com que a roteirista cria uma situação não muito comum: Separados há dez anos, como no caso do amigo da minha crônica, Jake e Jane encontram-se na festa de formatura de um dos filhos. Depois de uns uísques, os dois terminam na cama e, curioso, Jake, numa comparação ao contrário, descobre na ex o encanto e a espirituosidade que faltam à nova mulher, apesar de muito mais jovem e bonita. Tem início uma comédia romântica muitíssimo interessante, em que pese a leveza do roteiro de Nancy Meyers.
O reencontro perdura, Jane parece também apaixonada por Jake. Parece, uma vez que um terceiro surge na vida de Jane, um arquiteto contratado por ela e interpretado por Steve Martin. Aqui, por fim, colocam-se as questões levantadas acima. Afinal, pode-se amar duas vezes a mesma pessoa? Existe, de fato, a possibilidade de ex-casados serem felizes numa segunda tentativa? A concluir pelo que mostra o filme, não. Jake descobre-se (re)apaixonado por Jane, mas esta, a princípio empolgada com o reencontro, conclui que não é mais ele o homem capaz de fazê-la feliz. Opta em ficar com seu arquiteto, a quem decepcionara ao ser flagrada em intimidades com o ex. Perdoada, embora o roteiro apenas insinue o desfecho do romance, Jane parece agora a caminho de sua felicidade conjugal.
Pelo sim, pelo não, o que se pode concluir da história criada por Nancy Meyers, que vem apaixonando plateias mundo afora, é que o flashback, para usar de uma expressão em voga hoje em dia, está cada vez mais comum. Exatamente como ocorreu a M., o amigo de que trata a minha crônica. Na contramão do que expõe Simplesmente Complicado, que se (re)apaixonem e sejam felizes. Para sempre.
Como a arte imita a vida, semana que passou, por coincidência, vou com a namorada assistir ao filme Simplesmente Complicado, a mais recente produção da diretora Nancy Meyers. O roteiro, bem na linha do que tem sido recorrente na obra de Meyers, explora os relacionamentos amorosos: Jane, interpretada à perfeição por Meryl Streep, é trocada pelo marido, Jake (Alec Baldwin), por uma mulher com a metade de sua idade, de resto um problema por demais comum na vida dos casais. O filme ganha densidade, contudo, pela forma com que a roteirista cria uma situação não muito comum: Separados há dez anos, como no caso do amigo da minha crônica, Jake e Jane encontram-se na festa de formatura de um dos filhos. Depois de uns uísques, os dois terminam na cama e, curioso, Jake, numa comparação ao contrário, descobre na ex o encanto e a espirituosidade que faltam à nova mulher, apesar de muito mais jovem e bonita. Tem início uma comédia romântica muitíssimo interessante, em que pese a leveza do roteiro de Nancy Meyers.
O reencontro perdura, Jane parece também apaixonada por Jake. Parece, uma vez que um terceiro surge na vida de Jane, um arquiteto contratado por ela e interpretado por Steve Martin. Aqui, por fim, colocam-se as questões levantadas acima. Afinal, pode-se amar duas vezes a mesma pessoa? Existe, de fato, a possibilidade de ex-casados serem felizes numa segunda tentativa? A concluir pelo que mostra o filme, não. Jake descobre-se (re)apaixonado por Jane, mas esta, a princípio empolgada com o reencontro, conclui que não é mais ele o homem capaz de fazê-la feliz. Opta em ficar com seu arquiteto, a quem decepcionara ao ser flagrada em intimidades com o ex. Perdoada, embora o roteiro apenas insinue o desfecho do romance, Jane parece agora a caminho de sua felicidade conjugal.
Pelo sim, pelo não, o que se pode concluir da história criada por Nancy Meyers, que vem apaixonando plateias mundo afora, é que o flashback, para usar de uma expressão em voga hoje em dia, está cada vez mais comum. Exatamente como ocorreu a M., o amigo de que trata a minha crônica. Na contramão do que expõe Simplesmente Complicado, que se (re)apaixonem e sejam felizes. Para sempre.
Professor de Estética, História da Arte, Literatura Dramática e Comunicação e Linguagem.
Escreve contos, crônicas e artigos de análise literária.
terça-feira, 2 de março de 2010
Poema para a mulher amada
De um leitor e amigo vem o pedido inusitado: - "[...] Quero um poema que exalte a beleza dela!" Refere-se à namorada, que aniversaria por esses dias. Quer que lhe envie um texto pouco conhecido, que diga 'novidades' à mulher amada. De cor, digo-lhe uns poemas que me vêm à cabeça, mas resiste: - "A minha primeira declaração de amor foi essa, quero coisa menos 'batida', insiste. Dizia-lhe aqueles versos irresistíveis de Vinicius: "Amo-te tanto meu amor, não cante o humano coração com mais verdade." Meu amigo jamais escreveu um poema, mas sua vida está sempre inundada de poesia. Pois não é que recitou o poetinha no dia da conquista! Ah, a literatura e seus mistérios, seus sortilégios, sua força prodigiosa a tocar os corações.
Fico imaginando o que pode a literatura. Baudelaire, o simbolista de As flores do mal, escrevia poète (em francês), com um trema em lugar do acento, para ser fiel à etimologia da palavra em grego. Poeta, assim, é aquele que recria o mundo, que o transforma com os poderes de um demiurgo. Um mágico, um mago, um bruxo. Meu leitor e amigo compreendeu isso, quer a poesia como aliada no jogo da conquista. Lança-me um desafio, quer o poema exato, a palavra infalível para alimentar o ego do objeto amado. E ponho-me a pensar em como ajudar o amigo ansioso, neste instante intransferível de sua paixão.
Escrever é ir ao outro, é viajar as viagens impossíveis, é comunicar o incomunicável. De novo Baudelaire e sua teoria estética: A poesia é a ordem de palavras; beleza das imagens; luxo e riqueza da expressão; calma da frase; gozo no prazer de dizer ao outro o sentimento pleno, de contaminar-lhe com a emoção do instante: - "Lá tudo é ordem e beleza, luxo, calma e volúpia."
Vou a Drummond, vou a Bandeira, vou a Quintana. Um poema que exalte a beleza dela, as palavras do amigo a ribombar o apaixonado pedido. E a um amigo não se pode negar a vontade, saciar o desejo de tocar fundo o coração da mulher amada. Eis que me ocorre, como que em milagre, o poema de Gullar: "Você é mais bonita que uma bola prateada / de papel de cigarro / Você é mais bonita que uma poça dágua / límpida / num lugar escondido / Você é mais bonita que uma zebra / um filhote de onça / que um boeing 707 em pleno ar / Você é mais bonita que um jardim florido / em frente ao mar de Ipanema / Você é mais bonita que uma refinaria da Petrobrás / de noite / mais bonita que Ursula Andress / que o Palácio da Alvorada / mais bonita que a alvorada / que o mar azul-safira da República Dominicana / Olha, / você é tão bela quanto o Rio de Janeiro / em maio / e quase tão bonita / quanto a Revolução Cubana.
Fico imaginando o que pode a literatura. Baudelaire, o simbolista de As flores do mal, escrevia poète (em francês), com um trema em lugar do acento, para ser fiel à etimologia da palavra em grego. Poeta, assim, é aquele que recria o mundo, que o transforma com os poderes de um demiurgo. Um mágico, um mago, um bruxo. Meu leitor e amigo compreendeu isso, quer a poesia como aliada no jogo da conquista. Lança-me um desafio, quer o poema exato, a palavra infalível para alimentar o ego do objeto amado. E ponho-me a pensar em como ajudar o amigo ansioso, neste instante intransferível de sua paixão.
Escrever é ir ao outro, é viajar as viagens impossíveis, é comunicar o incomunicável. De novo Baudelaire e sua teoria estética: A poesia é a ordem de palavras; beleza das imagens; luxo e riqueza da expressão; calma da frase; gozo no prazer de dizer ao outro o sentimento pleno, de contaminar-lhe com a emoção do instante: - "Lá tudo é ordem e beleza, luxo, calma e volúpia."
Vou a Drummond, vou a Bandeira, vou a Quintana. Um poema que exalte a beleza dela, as palavras do amigo a ribombar o apaixonado pedido. E a um amigo não se pode negar a vontade, saciar o desejo de tocar fundo o coração da mulher amada. Eis que me ocorre, como que em milagre, o poema de Gullar: "Você é mais bonita que uma bola prateada / de papel de cigarro / Você é mais bonita que uma poça dágua / límpida / num lugar escondido / Você é mais bonita que uma zebra / um filhote de onça / que um boeing 707 em pleno ar / Você é mais bonita que um jardim florido / em frente ao mar de Ipanema / Você é mais bonita que uma refinaria da Petrobrás / de noite / mais bonita que Ursula Andress / que o Palácio da Alvorada / mais bonita que a alvorada / que o mar azul-safira da República Dominicana / Olha, / você é tão bela quanto o Rio de Janeiro / em maio / e quase tão bonita / quanto a Revolução Cubana.
Professor de Estética, História da Arte, Literatura Dramática e Comunicação e Linguagem.
Escreve contos, crônicas e artigos de análise literária.
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