terça-feira, 2 de março de 2010

Poema para a mulher amada

De um leitor e amigo vem o pedido inusitado: - "[...] Quero um poema que exalte a beleza dela!" Refere-se à namorada, que aniversaria por esses dias. Quer que lhe envie um texto pouco conhecido, que diga 'novidades' à mulher amada. De cor, digo-lhe uns poemas que me vêm à cabeça, mas resiste: - "A minha primeira declaração de amor foi essa, quero coisa menos 'batida', insiste. Dizia-lhe aqueles versos irresistíveis de Vinicius: "Amo-te tanto meu amor, não cante o humano coração com mais verdade." Meu amigo jamais escreveu um poema, mas sua vida está sempre inundada de poesia. Pois não é que recitou o poetinha no dia da conquista! Ah, a literatura e seus mistérios, seus sortilégios, sua força prodigiosa a tocar os corações.

Fico imaginando o que pode a literatura. Baudelaire, o simbolista de As flores do mal, escrevia poète (em francês), com um trema em lugar do acento, para ser fiel à etimologia da palavra em grego. Poeta, assim, é aquele que recria o mundo, que o transforma com os poderes de um demiurgo. Um mágico, um mago, um bruxo. Meu leitor e amigo compreendeu isso, quer a poesia como aliada no jogo da conquista. Lança-me um desafio, quer o poema exato, a palavra infalível para alimentar o ego do objeto amado. E ponho-me a pensar em como ajudar o amigo ansioso, neste instante intransferível de sua paixão.

Escrever é ir ao outro, é viajar as viagens impossíveis, é comunicar o incomunicável. De novo Baudelaire e sua teoria estética: A poesia é a ordem de palavras; beleza das imagens; luxo e riqueza da expressão; calma da frase; gozo no prazer de dizer ao outro o sentimento pleno, de contaminar-lhe com a emoção do instante: - "Lá tudo é ordem e beleza, luxo, calma e volúpia."

Vou a Drummond, vou a Bandeira, vou a Quintana. Um poema que exalte a beleza dela, as palavras do amigo a ribombar o apaixonado pedido. E a um amigo não se pode negar a vontade, saciar o desejo de tocar fundo o coração da mulher amada. Eis que me ocorre, como que em milagre, o poema de Gullar: "Você é mais bonita que uma bola prateada / de papel de cigarro / Você é mais bonita que uma poça dágua / límpida / num lugar escondido / Você é mais bonita que uma zebra / um filhote de onça / que um boeing 707 em pleno ar / Você é mais bonita que um jardim florido / em frente ao mar de Ipanema / Você é mais bonita que uma refinaria da Petrobrás / de noite / mais bonita que Ursula Andress / que o Palácio da Alvorada / mais bonita que a alvorada / que o mar azul-safira da República Dominicana / Olha, / você é tão bela quanto o Rio de Janeiro / em maio / e quase tão bonita / quanto a Revolução Cubana.

2 comentários:

  1. Camarada Álder... temo que o amigo em questão tenha perdido a namorada envolvido em refinarias, revolução, bola prateada de papel de cigarro, quase tão bonita que o Rio, filhote de onça...rzrzrzrzr Abraços. Braz

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  2. Eu já recebi esta poesia, e nunca esqueci. Hoje, quase 20 anos depois, vim à internet pra relembrá-la. Obrigada!

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