segunda-feira, 19 de setembro de 2011

A carta de Pablo

O 11 de setembro, que assinala este ano o décimo aniversário do atentado às torres gêmeas, tem para mim, por uma razão diferente e íntima, um significado particularmente importante: é a data de aniversário do meu filho Saulo, uma das duas pessoas que mais amo. Mas é, também, a data de um outro aniversário de que nunca esqueço, pela força do seu significado do ponto de vista das ideias que envolve e dos sentimentos que me causa: nesse dia, numa manhã de terça-feira de 1973, sob a chancela dos Estados Unidos, a capital chilena era massacrada por ações militares que culminariam com o bombardeio do palácio do governo e com a morte do presidente Salvador Allende. Nas ruas, nas praças, nos quarteis, da forma mais cruel que é possível um homem imaginar, civis, entre os quais indistintamente contavam-se idosos e mulheres, muitas vezes em presença de filhos e cônjuges, eram submetidos à práticas de tortura bárbaras, quando não sumariamente executados a tiros de fuzil ou atirados de helicópteros, vivos e conscientes do que lhes faziam, naquele instante, oficiais do exército chileno treinados pelos norte-americanos. Era 11 de setembro também. Nas proximidades da data, há pouco menos de nove anos, um chileno escreveu esta carta que um amigo me enviou por e-mail e que fiz questão de reproduzir abaixo. Não se trata de fechar os olhos para o que existe de monstruoso naquilo que ocorreu aos americanos há exatos dez anos, mas de tentar abri-los um pouco mais para outras realidades.

"Queridas mães, pais e entes daqueles que morreram em 11 de setembro em Nova York. Eu sou chileno, moro em Londres. E gostaria de dizer que temos algo em comum: seus entes queridos foram assassinados como os meus. E nós temos uma data em comum, o 11 de setembro. Em 1970, houve uma eleição. Eu tinha 18 anos e votei pela primeira vez. Tínhamos um lindo sonho de construir uma sociedade na qual o povo repartisse o fruto do seu trabalho, a riqueza do País. Em setembro de 1970 fomos votar e vencemos. No ar, bandeiras brancas, vermelhas e azuis. Quando uma história começa, em cada rua, em cada esquina, vozes se erguem como ondas num oceano interminável. Punhos se agitando no ar. Da montanha até o mar. Havia leite e educação para as crianças, terras improdutivas foram dadas a camponeses sem terra. O carvão, as minas de cobre e as indústrias de base, se tornaram propriedade de todos nós. Pela primeira vez na vida as pessoas tinham dignidade. Mas não sabíamos como aquilo era perigoso ("Não sei porque devemos deixar um País se tornar comunista pela irresponsabilidade de um povo", disse Henry Kinssinger). Nossas decisões democráticas, nossos votos, não eram relevantes. O mercado, o lucro, o capital eram mais importantes que a democracia. [...] O presidente de vocês, Nixon, disse que faria nossa economia gritar. Ele mandou que a CIA se envolvesse diretamente na organização de um levante militar, um golpe de Estado. Dez milhões de dólares, mais, se necessário, estavam à disposição para aniquilar o governo de Salvador Allende. [...] Seus dólares sustentaram um grupo neofascista que gerou violência e bombardeou fábricas e centrais elétricas. Em 11 de setembro os inimgos da liberdade cometeram um ato de guerra contra o nosso País. Assim que clareou tropas e tanques atacaram o palácio presidencial. Allende, seus ministros e assessores estavam lá dentro. Allende não fugiu quando o Palácio La Moneda foi bombardeado. Ele foi assassinado. Terça-feira, também foi numa terça-feira de 11 de setembro de 1973. Um dia que destruiu nossa vida para sempre. Levei um tiro no joelho e depois eles bateram com a minha cabeça no chão. Eles me bateram tanto, que às vezes eu desmaiava. [...] Ligavam fios elétricos nas genitálias, enfiavam ratos na vagina das mulheres. Treinavam cães para estuprar mulheres. E ficamos sabendo da caravana da morte: o general que ia de cidade em cidade fazendo execuções a esmo. Trinta mil foram assassinados. Trinta mil! [...] Eles me consideraram comunista. Me condenaram à prisão perpétua, sem julgamento e sem direito à defesa. Fui libertado cinco anos depois, mas tive de sair do meu País. Não posso voltar ao Chile, agora, embora só pense nisso. O Chile é meu lar, mas o que aconteceria aos meus filhos? Eles nasceram em Londres. Não posso condená-los a um exílio como o meu. [...] Mães, pais e entes queridos dos que morreram em Nova York. Logo chegará o vigésimo nono aniversário do nosso 11 de setembro e o primeiro de vocês. Vou me lembrar de vocês. Espero que vocês se lembrem de nós. PABLO."

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