Semana passada, escrevi aqui sobre o narcisismo que parece tomar conta da sociedade contemporânea. A crônica, que dialogava com o filme De Olhos Bem Fechados, de Stanley Kubrick, ensejou um sem-número de mensagens sobre o tema. Todas, com o mesmo ponto de vista do texto, tecem comentários sobre o culto do corpo como uma verdadeira obsessão das pessoas na atualidade. Por coincidência, no fim de semana assisto ao filme Time, o Amor Contra a Passagem do Tempo, do cineasta sul-coreano Kim Ki-Duk, cuja tessitura dramática explora, entre outros temas já recorrentes na obra do autor, o que se poderia definir como a crise do amor na modernidade. O enredo é o seguinte:
Uma jovem, perdida de amores pelo namorado, é portadora de um ciúme neurótico e vê concorrentes em toda parte. Dominada pela obsessão de que o namorado pudesse enjoar de sua aparência física, decide sumir da vida dele por um longo período e submeter-se a uma cirurgia plástica que a transforme numa 'outra' pessoa, na esperança de que venha, assim, a manter aceso o desejo do homem por ela e a livrar-se do risco de ser preterida por outra mulher. Seis meses depois da cirurgia, quando enfim pode retomar a sua vida normal (sem a necessidade de usar máscara, por exemplo) volta a procurar o namorado com uma outra identidade. Ao constatar que o rapaz continua amando a mulher que fora antes, assumindo-se incapaz de esquecê-la e começar novas relações, a jovem entra em crise e termina por enlouquecer. Um roteiro instigante e original.
Quando, enfim, o rapaz descobre que a namorada de agora é a mesma de antes, com uma aparência totalmente diferente da anterior, não se conforma com o fato e rompe o relacionamento, entregando-se a uma crise existencial não menos complicada que a da jovem, com quem vinha tentando recomeçar a vida. É aí que o cineasta levanta curiosas reflexões sobre o amor e o que efetivamente é, no outro, o real objeto desse sentimento a um tempo tão simples e tão complexo. Em verdade, ama-se o que quando se ama o outro? A imagem ou o conteúdo que essa imagem representa? A ideia ou o seu simulacro de que nos falou Platão no Mito da Caverna?
O conflito se complica quando o rapaz, perdido em meio ao oceano de estupidez e histeria que vai tragando o casal, procura o mesmo cirurgião plástico que transformara a moça a fim de -- também ele --, construir uma outra identidade. É o momento frágil da intriga, pois o filme de Kim Ki-Duk passa a trabalhar elementos dramáticos demasiado óbvios. A moça, como esperado até mesmo pelo espectador de sensibilidade estética menos apurada, não saberá lidar com a situação, e amar o namorado que se apresenta a ela, agora, com outras feições. O final é, pois, também previsível e o filme perde muito em qualidade. Sem reeditar o melhor do seu talento, contudo, a exemplo do que fizera em Folego, para citar apenas um dos filmes anteriores, Kim Ki-Duk continua sendo um cineasta no mínimo inquietante. Vale conferir.
Uma jovem, perdida de amores pelo namorado, é portadora de um ciúme neurótico e vê concorrentes em toda parte. Dominada pela obsessão de que o namorado pudesse enjoar de sua aparência física, decide sumir da vida dele por um longo período e submeter-se a uma cirurgia plástica que a transforme numa 'outra' pessoa, na esperança de que venha, assim, a manter aceso o desejo do homem por ela e a livrar-se do risco de ser preterida por outra mulher. Seis meses depois da cirurgia, quando enfim pode retomar a sua vida normal (sem a necessidade de usar máscara, por exemplo) volta a procurar o namorado com uma outra identidade. Ao constatar que o rapaz continua amando a mulher que fora antes, assumindo-se incapaz de esquecê-la e começar novas relações, a jovem entra em crise e termina por enlouquecer. Um roteiro instigante e original.
Quando, enfim, o rapaz descobre que a namorada de agora é a mesma de antes, com uma aparência totalmente diferente da anterior, não se conforma com o fato e rompe o relacionamento, entregando-se a uma crise existencial não menos complicada que a da jovem, com quem vinha tentando recomeçar a vida. É aí que o cineasta levanta curiosas reflexões sobre o amor e o que efetivamente é, no outro, o real objeto desse sentimento a um tempo tão simples e tão complexo. Em verdade, ama-se o que quando se ama o outro? A imagem ou o conteúdo que essa imagem representa? A ideia ou o seu simulacro de que nos falou Platão no Mito da Caverna?
O conflito se complica quando o rapaz, perdido em meio ao oceano de estupidez e histeria que vai tragando o casal, procura o mesmo cirurgião plástico que transformara a moça a fim de -- também ele --, construir uma outra identidade. É o momento frágil da intriga, pois o filme de Kim Ki-Duk passa a trabalhar elementos dramáticos demasiado óbvios. A moça, como esperado até mesmo pelo espectador de sensibilidade estética menos apurada, não saberá lidar com a situação, e amar o namorado que se apresenta a ela, agora, com outras feições. O final é, pois, também previsível e o filme perde muito em qualidade. Sem reeditar o melhor do seu talento, contudo, a exemplo do que fizera em Folego, para citar apenas um dos filmes anteriores, Kim Ki-Duk continua sendo um cineasta no mínimo inquietante. Vale conferir.
Saudações, Álder!
ResponderExcluirConfesso que conheço duas situações, aqui mesmo no ABC paulista, pessoas relativamente próximas, que vivenciaram o mesmo enredo do filme de Kim Ki-Duk ― que ainda não vi. Acredito, e atribuo, sem êxitar (mesmo não sendo um experto), que todos os males, todos esses males ligados às vaidades excessivas, que buscam a forma perfeita do corpo, são frutos da nossa alienação, devoção, entrega desmedida aos meios de comunicação visual com, na grande maioria das vezes, suas mensagens desprovidas de cultura e conhecimento. Tomamos esses veículos como nossos deuses e neles, ingênuos (na ampla maioria), confiamos a nossa ignorância sobre a ciência e os fatos. E me parece que assim seguirá sendo, porquanto os senhores do mundo continuarem sobre o comando dos veículos de comunicação em massa, pondo um fim aos valores, tradições, costumes...
Excelente texto, Álder!
Abraços!!