segunda-feira, 24 de março de 2014

Autores na Internet

Do amigo (e leitor) Enondino, vem uma mensagem para refletir sobre a 'nossa' omissão em relação a fatos que de alguma forma representam a angústia da sociedade contemporânea, a violência que campeia, por exemplo. O texto, na sua integridade, apoia-se em poemas equivocadamente (ou má-fé?) atribuídos a Maiakóvsky, Jorge Luís Borges e Bertold Brecht.
 
Desde que, por inevitável, incluí a Internet como meio de minhas leituras diárias, há muitos anos, deparo frequentemente com essa experiência, um desserviço à literatura e  --  por que não dizer?  --  um tipo de acinte contra a cultura intelectual das pessoas. Os casos mais comuns, pelo que já pude constatar, envolvem, no Brasil, nomes de poetas conhecidos, como Carlos Drummond de Andrade, Mário Quintana, Vinicius de Moraes e, o que me chama mais a atenção, o alemão Bertold Brecht, o argentino Jorge Luís Borges e o russo Vladimir Maiakóvsky.
 
Ao último, quase sempre, é atribuída a autoria do poema No caminho com Maiakóvsky, com alterações estruturais que comprometem a sua qualidade, que é indiscutível, diga-se em tempo, na forma como o produziu o poeta brasileiro Eduardo Alves da Costa: "[...] Tu sabes, / conheces melhor do que eu / a velha história. / Na primeira noite eles se aproximam / e roubam uma flor / do nosso jardim. / E não dizemos nada. / Na segunda noite, já não se escondem: / pisam as flores, / matam nosso cão, / e não dizemos nada. / Até que um dia, / o mais frágil deles / entra sozinho em nossa casa, / rouba-nos a luz e, / conhecendo nosso medo, / arranca-nos a voz da garganta. / E já não podemos dizer nada."
 
O texto, datado de 1936, é imenso, luminoso, trabalhado com requinte e domínio absoluto da linguagem lírica. Não como aparece, via de regra, nas tais mensagens a que me referi no início.
 
No que respeita ao escritor argentino Jorge Luís Borges, a coisa não é menos incômoda, mesmo depois que Maria Kodama, a viúva do autor de Aleph levou o caso à Justiça, esperançosa de esclarecer tamanha leviandade. Inútil. O texto continua circulando o mundo como se fora de Jorge Luís Borges: "Se eu pudesse viver novamente a minha vida, na próxima trataria de cometer mais erros. Não tentaria ser tão perfeito, relaxaria mais. / Seria mais tolo ainda do que tenho sido; na verdade, bem poucas pessoas levariam a sério. / seria menos higiênico. Correria mais riscos, viajaria mais, contemplaria / mais entardeceres, subiria mais montanhas, nadaria mais rios. Iria a mais / lugares onde nunca fui, tomaria mais sorvete e menos lentilha, / teria mais problemas reais e menos imaginários." A autoria verdadeira deve ser atribuída à americana Nadine Stair, também "apropriada" por uma banda de rock brasileira em disco conhecido.
 
Entre os nomes mais explorados nas falsas citações, aparece com destaque, ainda, o escritor colombiano Gabriel García Márquez, não raro como autor do mesmo texto de Stair, recebendo, no entanto, um tratamento estético que o piora e o faz mais piegas do que realmente é na forma original.
 
Se você, caro leitor, é desses que costumam acrescentar às mensagens que enviam citações, poemas, fragmentos de crônicas, "pensamentos" etc., ou mesmo se os recebe com frequência, não deixe de fazê-lo, que também para levar as pessoas à reflexão é que os escritores escrevem. Mas antes de apertar o indicador contra o mouse, encaminhando-os para Deus e o mundo, que tal tentar certificar-se da sua real autoria? Sob este aspecto, aliás, é bom "citar" aqui o russo Bakhtin, para quem, sabe-se, nenhum texto é, na sua essência, "autoral". Mas isto ele disse, asseguro-lhe! 
 
 
 
 
 
 


 

 

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