Para Luís Eduardo
Na confraternização do Natal, em meio a pessoas da família, constatei que os mais novos, pais e mães, trazem de volta para seus filhos pequenos a crença de que Papai Noel existe. Num mundo hiper-racionalizado, o fato chamou-me a atenção. Um deles baixava no celular um aplicativo que permite a "gravação" do bom velhinho depositando ao pé da árvore de Natal da casa seus presentes. O filme seria mostrado aos pequenos na manhã seguinte, como forma de comprovar a existência do bom velhinho.
Estava registrada a sua ansiada visita durante a madrugada. Papai Noel existe. Existiu?
Era grego, e foi perseguido por suas convicções cristãs, lá pelos anos 280, naquilo que a História registra como a Grande Perseguição de Diocleciano, imperador romano. Foi preso e torturado, mas sobreviveu e, num gesto espontâneo de gratidão, passou a distribuir presentes aos meninos pobres, deixando-os dentro dos sapatos que, à época, ficavam nas portas das casas durante a noite.
Sua história, pois, articula-se à perfeição com a história de Jesus. Esta se prende, segundo a Bíblia, ao exílio da Sagrada Família para o Egito. Sabe-se, como está no Evangelho, que Herodes, inconscientemente advertido de que nascera um Deus, ordenara a seus soldados matar todos os recém-nascidos, a fim de preservar seu trono.
Voltemos ao Papai Noel real. Chamava-se Nicolau, e, canonizado alguns séculos depois, deu origem ao costume de dar presentes às crianças pobres todo 6 de dezembro, data de sua morte. O costume varou fronteiras e chegou aos Estados Unidos, segundo o historiador Gerry Bowler, por volta do século XVII.
Mas a imagem com a qual o visualizamos hoje é recente: na década de 30, um designer americano, contratado pela Coca-Cola, imaginou-o gordo, com a longa barba branca, vestido com roupa vermelha e servindo-se na cabeça do famoso gorro encimado por um capulho de algodão.
A transformação do Papai Noel, contudo, em que pese fundamentada em interesses comerciais, como forma de obter maiores dividendos a cada final de ano (a data compreensivelmente seria mudada para 25 de dezembro), tem seu sortilégio e o mito deve ser mesmo alimentado entre as crianças, com o simbolismo capaz de estimular a sensibilidade infantil para o desprendimento e a generosidade de repartir com os menos favorecidos um pouquinho do que temos.
Num tempo marcado por contradições montanhescas, que bom seria se todos nós nos deixássemos também infantilizar um pouco, acreditando que Papai Noel pode realmente existir em cada um, abrindo nossos corações para aqueles que mais precisam (que nem sempre é o bem material), e que, por certo, estão ao alcance dos nossos olhos por onde quer que andemos.
Este ano, para registrar um exemplo, vi numa pessoa próxima este gesto de desprendimento e altruísmo. Soube, depois, que o faz a cada Natal. Mais importante, faz costumeiramente ao longo do ano, sem a preocupação com tornar público o seu gesto, o que, ao gesto, dá muito maior significado e, ao autor, nobreza.
Por último, a nossa relativa proximidade permitiu-me acompanhá-lo de perto durante um momento difícil para a sua família. Pude perceber, então, que por trás do homem aparentemente severo e insensível, existia um coração generoso e bom, uma essência de humildade interior que espontaneamente fez aflorar aos olhos de todos (refiro-me aos que não o conheciam tão bem) um tipo de generosidade desinteressada, algo muito próximo da inclinação de natureza instintiva que incita o ser humano à preocupação com o outro e pode ser estimulada pela educação, contrapondo-se aos instintos naturais egocêntricos conforme nos falou, se não me falha a memória, Augusto Comte.
Mais de uma vez, que me desculpem o pleonasmo estiloso, pude vê-lo chorar um choro tímido, discreto, silencioso, desses que explodem do mais sombrio escaninho do coração de tão represados, mas que dão a medida exata da sinceridade dos sentimentos e a perceber o que existe neles de mais elevado em poesia, virtuosidade, nobreza.
Como fosse antevéspera do Natal, esses momentos me fizeram reler a imagem que fazia desse homem. Na simplicidade de um instante, que me pareceu eterno, pude enxergar com nitidez a figura rediviva de Nicolau. Mais que isso: vi renascer ali o Papai Noel em que se pode transformar cada um de nós, todos os dias, para o sem-fim dos tempos.
Na confraternização do Natal, em meio a pessoas da família, constatei que os mais novos, pais e mães, trazem de volta para seus filhos pequenos a crença de que Papai Noel existe. Num mundo hiper-racionalizado, o fato chamou-me a atenção. Um deles baixava no celular um aplicativo que permite a "gravação" do bom velhinho depositando ao pé da árvore de Natal da casa seus presentes. O filme seria mostrado aos pequenos na manhã seguinte, como forma de comprovar a existência do bom velhinho.
Estava registrada a sua ansiada visita durante a madrugada. Papai Noel existe. Existiu?
Era grego, e foi perseguido por suas convicções cristãs, lá pelos anos 280, naquilo que a História registra como a Grande Perseguição de Diocleciano, imperador romano. Foi preso e torturado, mas sobreviveu e, num gesto espontâneo de gratidão, passou a distribuir presentes aos meninos pobres, deixando-os dentro dos sapatos que, à época, ficavam nas portas das casas durante a noite.
Sua história, pois, articula-se à perfeição com a história de Jesus. Esta se prende, segundo a Bíblia, ao exílio da Sagrada Família para o Egito. Sabe-se, como está no Evangelho, que Herodes, inconscientemente advertido de que nascera um Deus, ordenara a seus soldados matar todos os recém-nascidos, a fim de preservar seu trono.
Voltemos ao Papai Noel real. Chamava-se Nicolau, e, canonizado alguns séculos depois, deu origem ao costume de dar presentes às crianças pobres todo 6 de dezembro, data de sua morte. O costume varou fronteiras e chegou aos Estados Unidos, segundo o historiador Gerry Bowler, por volta do século XVII.
Mas a imagem com a qual o visualizamos hoje é recente: na década de 30, um designer americano, contratado pela Coca-Cola, imaginou-o gordo, com a longa barba branca, vestido com roupa vermelha e servindo-se na cabeça do famoso gorro encimado por um capulho de algodão.
A transformação do Papai Noel, contudo, em que pese fundamentada em interesses comerciais, como forma de obter maiores dividendos a cada final de ano (a data compreensivelmente seria mudada para 25 de dezembro), tem seu sortilégio e o mito deve ser mesmo alimentado entre as crianças, com o simbolismo capaz de estimular a sensibilidade infantil para o desprendimento e a generosidade de repartir com os menos favorecidos um pouquinho do que temos.
Num tempo marcado por contradições montanhescas, que bom seria se todos nós nos deixássemos também infantilizar um pouco, acreditando que Papai Noel pode realmente existir em cada um, abrindo nossos corações para aqueles que mais precisam (que nem sempre é o bem material), e que, por certo, estão ao alcance dos nossos olhos por onde quer que andemos.
Este ano, para registrar um exemplo, vi numa pessoa próxima este gesto de desprendimento e altruísmo. Soube, depois, que o faz a cada Natal. Mais importante, faz costumeiramente ao longo do ano, sem a preocupação com tornar público o seu gesto, o que, ao gesto, dá muito maior significado e, ao autor, nobreza.
Por último, a nossa relativa proximidade permitiu-me acompanhá-lo de perto durante um momento difícil para a sua família. Pude perceber, então, que por trás do homem aparentemente severo e insensível, existia um coração generoso e bom, uma essência de humildade interior que espontaneamente fez aflorar aos olhos de todos (refiro-me aos que não o conheciam tão bem) um tipo de generosidade desinteressada, algo muito próximo da inclinação de natureza instintiva que incita o ser humano à preocupação com o outro e pode ser estimulada pela educação, contrapondo-se aos instintos naturais egocêntricos conforme nos falou, se não me falha a memória, Augusto Comte.
Mais de uma vez, que me desculpem o pleonasmo estiloso, pude vê-lo chorar um choro tímido, discreto, silencioso, desses que explodem do mais sombrio escaninho do coração de tão represados, mas que dão a medida exata da sinceridade dos sentimentos e a perceber o que existe neles de mais elevado em poesia, virtuosidade, nobreza.
Como fosse antevéspera do Natal, esses momentos me fizeram reler a imagem que fazia desse homem. Na simplicidade de um instante, que me pareceu eterno, pude enxergar com nitidez a figura rediviva de Nicolau. Mais que isso: vi renascer ali o Papai Noel em que se pode transformar cada um de nós, todos os dias, para o sem-fim dos tempos.
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