A Arte é indispensável
Ao trazer a público o intempestivo projeto de mudança para o ensino médio, o presidente ilegítimo Michel Temer ocasionou não apenas uma mobilização nacional contra o que se considera autoritário e descabido no momento delicado que vive o país, bem como provocou, o que acabou positivo, um inusitado questionamento em torno da importância de figurar no núcleo comum das escolas públicas e privadas as disciplinas de educação física, sociologia, filosofia e artes. Sem fechar os olhos para as três primeiras, não menos relevantes para a formação de jovens saudáveis e dotados de senso crítico, criatividade e capacidade reflexiva, é sobre a última que gostaria de tecer aqui algumas considerações.
O primeiro passo, todavia, enseja a retomada de uma das questões mais remotas do campo da estética: o que é arte? Veremos, a partir daí, quão complexa é a matéria, razão por que essa questão ocupa lugar e espaço importantíssimos nos melhores tratados acerca do conhecimento humano, no vastíssimo campo da filosofia, da historiografia e da crítica de Arte . Ocorre-me lembrar, a propósito da difícil definição, as palavras de Benedetto Croce numa reflexão famosa: "A Arte é aquilo que todos sabem o que é." Ironia à parte, em que pese o que existe de controvertido na definição do respeitado professor Geraldo Rodrigues, acolho com simpatia o que afirmou em livro clássico de Estética: "A Arte, qualquer que seja sua definição é uma causa profunda, mais inconsciente do que consciente, mais instintiva do que racional, qualquer coisa que repercute no lado noturno e desconhecido de nós mesmos, que lança ecos desde as profundezas do nosso oceano interior."
Peca o respeitado professor ao reforçar a definição romântica da Arte como algo de que é quase excluída a razão humana, pois advinda das forças do divino e do milagroso, que adquire forma pela ação de um ser iluminado de que nos falou Platão, capaz de modelar e organizar a matéria caótica existente a partir da imitação de modelos eternos e perfeitos. Sabe-se, no entanto, que a atividade do artista é processo consciente e racional, do qual nascerá a realidade dominada pelo talento, domínio da técnica, dos meios, recursos e convenções, ao que se soma, não menos importante, a emoção estética de que resulta a obra de arte que transmite aos outros homens.
É conhecida a afirmação do pintor Mondrian: "A Arte desaparecerá na medida em que a vida adquirir mais equilíbrio". Suas palavras, como é recorrente mesmo nos meios ditos intelectuais, foram extremamente mal compreendidas. A Arte tornar-se-ia desnecessária um dia. Ora, pois.
É de Ernst Fischer, o estudioso austríaco, a interpretação que me parece inconteste sobre a necessidade da Arte pelo sem-fim dos tempos, uma vez que, para ele, mesmo nas sociedades mais avançadas (Suécia, Dinamarca, Suiça, por exemplo) o perfeito equilíbrio entre o homem e o mundo é algo improvável, como em parte podem confirmar os números alarmantes de suicídios.
Não à toa, na contramão do que professa a tola afirmação de que a Arte não tem função, bastando-se por si mesma, num elogio delirante do que se convencionou chamar de Arte pela Arte, é inegável que lhe são próprias as mais diferentes funções. Como indaga Fischer, há pouco citado, não satisfará ela a muitas outras necessidades?
É bastante, para tanto, que se procure responder a algumas relevantes indagações: Por que milhões de pessoas leem livros, ouvem música, visitam museus, vão ao teatro, ao cinema? Por que não nos basta a vida que dizemos real? Por que nos voltamos, atentos e emocionados, para o quadrado do palco ou da tela de cinema onde acontecem coisas "irreais" e as tomamos como se tratasse de realidades intensificadas?
Foi um poeta e dramaturgo alemão, Bertolt Brecht, quem nos advertiu um dia: "Nosso teatro [a Arte, pois] precisa estimular a avidez da inteligência e instruir o nosso povo no prazer de transformar a realidade".
Num país como o nosso, mais do que nunca, a Arte se faz necessária. E cabe à escola preparar os jovens para serem capazes de entender os seus muitos sentidos, a sua força e a sua beleza incomensurável -- capazes de compreendê-la em toda a sua complexidade, levando-os a encarar o mundo com mais sensibilidade (senso estético), de forma mais criativa e mais crítica. A arte humaniza, leva o homem a se tornar pleno. A Arte serve para aproximar os homens, para uni-los como seres iguais e para fomentar dentro de cada um o desejo de viver em comunhão. A Arte embeleza a vida, torna-a mais feliz e, quando isso for inevitável, torna-a também mais suportável. A Arte existe, como professou Nietzsche, para que o homem não morra de tanta realidade. Negá-la como um direito de todos, na escola, como é o caso, é ato criminoso que se deve combater com todas as forças. Mais que um prazer, a Arte é uma necessidade da condição humana.