É assustador o que vem ocorrendo mundo afora em termos políticos. Não bastasse a onda fascista que parece tomar conta da América Latina, dentro de cujo contexto o Brasil lidera com uma desfaçatez que a um tempo faz chorar e rir, aconteceu o pior: Donald Trump venceu as eleições para presidente da maior e mais influente potência mundial, e, com ele, terá vencido muito do "corpus" do que existe de mais reacionário, preconceituoso, intolerante, homofóbico, misógino e outros rótulos do fascismo mais aterrador.
O resultado, se surpreende do ponto de vista eleitoral, é condizente com a vocação mais indisfarçável de um país arrogante, perseguidor, autoritário para com o restante do mundo -- um país doente, bem na perspectiva do que reconheceu a candidata democrata Hillary Clinton no seu último discurso: "Precisamos curar este país; temos de reunir as pessoas, de ouvir e respeitar um ao outro".
A repercussão disso tudo, para além do que já, por si só, é terrível para os países de capitalismo periférico, a exemplo deste Brasil não menos doente, é que estão ameaçados os valores humanos essenciais. Trump não mediu palavras durante toda a sua campanha para expressar o ideário por que norteará seu governo, agora "legitimamente" reconhecido dentro das regras do jogo eleitoral dos EUA e por uma maioria branca que se posiciona contrária aos direitos das minorias, negros, latino-americanos, asiáticos, índios, árabes e pobres. O pior está por vir. Repito: é assustador.
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Agora não há do que duvidar: o impeachment de Dilma foi golpe e tinha por objetivo, ao lado de atender aos privilégios dos grandes investidores, abafar o que estava para vir à tona nas investigações da Lava Jato contra parlamentares dos partidos golpistas, PSDB e PMDB à frente. Conforme reconhecem os procuradores da operação, em grande parte desmoralizados pela prática autoritária e perseguidora ao longo das investigações, são visíveis as manobras levadas a efeito pelos deputados da base de apoio ao governo Temer no sentido de sustar e extinguir punições e ações criminais contra supostos envolvidos. A proposta, que poderá ser votada em regime de urgência, e tem o líder do governo na Câmara, André Moura, como seu propositor, diz respeito ao acordo de leniência e impede que sejam levados adiante processos contra as empresas envolvidas em escândalos. Para quem julgava improcedente o discurso de deputados e senadores contrários ao impeachment, a entrevista concedida em Curitiba pelos procuradores da Lava Jato, tornando pública a manobra, reconhecer o golpe é, hoje, uma questão de consciência. E de vergonha na cara, claro.
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Fui ver o último filme de Halder Gomes, Shaolin do Sertão. Reeditando basicamente as mesmas estratégias narrativas de Cine Holliúdy, o filme com que o cineasta cearense teve estrondoso sucesso de bilheteria há pouco mais de dois anos, e que lhe assegurou visibilidade entre os novos realizadores brasileiros, Shaolin do Sertão reafirma o que dizíamos sobre o filme anterior: há, por detrás da câmera, um diretor talentoso e hábil na utilização dos recursos cinematográficos. Halder Gomes domina a linguagem e suas práticas estilísticas e narrativas dão ao ver a presença do cineasta maduro, mesmo quando faz escolhas menos felizes do ponto de vista estético. É o que ocorre à sequência de abertura em que utiliza imagens de VHS para evidenciar o contexto em que nasce a obsessão de Aluísio Li, o protagonista do filme, pelas lutas marciais. A tentativa de explorar as limitações técnicas do videocassete como forma de criar uma atmosfera condizente com o tempo diegético (ficcional) do filme, não resulta feliz e, já de início, serve apenas para acentuar alguns defeitos desse novo sucesso de Halder Gomes. Ao que se soma uma montagem demasiado fracionada, o que, se por um lado privilegia a ação física da personagem, acelerando o ritmo da narrativa, por outro desmerece a sensibilidade do diretor na estruturação do roteiro. A última sequência (a luta final entre Aluísio Li contra seu antagonista) ademais, poderia ser menos distendida sem que a tensão dramática viesse a ser afetada em sua essência. Pela competência indiscutível de Halder Gomes, todavia, embora levando o público a desabridas gargalhadas, Brasil afora, o que confirma a boa acolhida de Shaolin do Sertão por um público que se assume fiel à tipologia estética escolhida pelo diretor, alimentamos a esperança de vê-lo explorar outros filões cinematográficos. Um filme, sabemos, é uma história contada com recursos específicos, sons, cores, movimento, luz etc. O tratamento estilístico, a forma propriamente dita, a sensibilidade com que escolhe suas estratégias narrativas, enquadramentos, angulação de câmera, movimentação, direção de atores e outros procedimentos estéticos, Halder Gomes sabe emblematicamente como fazê-lo. Falta-lhe sair da zona de conforto (o que é compreensível em face de sua consagração no gênero até aqui explorado) e ousar. A exemplo de Cine Holliúdy, Shaolin do Sertão tem inegáveis qualidades, mas estão muito abaixo do que Halder Gomes pode fazer em termos cinematográficos. Em tempo: é notável o trabalho de Edmilson Filho no papel principal.
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