Mas, lembro, não conseguia me desvencilhar daqueles aforismos carregados de lucidez e sabedoria. Era uma experiência maravilhosa, incomunicável, profundamente sedutora conhecer um intelectual que se assumia humano, demasiado humano. Com um defeito, apenas, contrapor-se ao Cristianismo, que, àquela altura dos meus dias, era para mim um referencial. Não falo da referencialidade meramente religiosa, igrejeira. Não, víamos (e estudávamos o Cristianismo) mais como uma filosofia, uma doutrina baseada na alegria de viver, partilhar, dividir tanto quanto possível o milagre do amor. Talvez estivesse aí a razão de ser translumbrante o fato de ler Nietzsche, de conhecer a luz ofuscante de sua filosofia e a motivação de saber mais e mais de sua vida, marcada por tantos conflitos e tantos dramas.
Hoje, quando escrevo estas minhas memórias, e a leitura da obra do autor de Assim falou Zaratustra é coisa mais amadurecida do ponto de vista intelectual, causa-me um tipo indefinível de prazer saber que Nietzsche não é tão anticristão assim.
O meu gosto pela filosofia nasceu, contudo, desse primeiro contato com o pensamento nietzscheano, e com a sua poesia, claro, pela qual revelava a sua inquietante busca de Deus: “Quero conhecer-Te, Desconhecido,/Tu, que te agarras ao fundo de minha alma/que atravessas minha vida estranho/e intocável como a tempestade./Quero conhecer-Te, ainda que para servir-Te.”
Por força de Nietzsche, curioso, fui a Sócrates, Platão, Aristóteles, percorri os caminhos que percorreram os Cínicos, os Céticos, os Epicuristas, os Estóicos… Cheguei a Hegel, Kant, Schopenhauer, Marx…
Retornei a Nietzsche, de quem leria O nascimento da tragédia, Além do bem e do mal, A gaia ciência, Ecce homo etc. Assim, fortalecido na minha fé, na crença de que nem tudo resume-se ao que está aqui, nessa passagem repleta de “eternos retornos”, por ignorância ou seja lá o que for, tenho vivido a vida, com Nietzsche e com Deus, num mundo, muitas vezes, sem Deus e sem sentido.
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