Durante o jogo do Brasil contra a Sérvia, tão-logo o escrete canarinho abre o placar, ouço a enfática afirmação de uma amiga (muito querida!): --- "O brasileiro é assim mesmo, desmerece os seus heróis!" Referia-se às chacotas desferidas contra o jogador Neymar, objeto da criatividade popular sobre a reconhecida dificuldade do nosso meia no confronto físico com adversários, do qual, frequentes vezes, termina no chão. Convenhamos, de forma um tanto teatral. Anedotário à parte, ouvi aquilo e pensei com meus botões: --- "Pobre de um povo que precisa de um herói!", frase atribuída a ninguém menos que Beltolt Brecht, o inigualável teatrólogo e poeta alemão.
Lembro que, algum tempo antes, ouvira estarrecido comentário igualmente ufanista de Pedro Bial, referindo-se aos participantes do reality show Big Brother, na rede Globo de Televisão: --- "Agora, vamos até à casa, ouvir nossos heróis!" E assim, perdendo belas oportunidades de ficar calados, vamos expondo o nosso nacionalismo piegas e tolo, indiferentes ao que se passa a cada minuto nos bastidores enlameados de algumas de nossas maiores instituições. O STF, para ficar num exemplo.
Em Flores Raras, o belíssimo filme de Bruno Barreto sobre a arquiteta brasileira Lota de Macedo e a poetisa americana Elizabeth Bishop, brilhantemente interpretadas por Glória Pires e Miranda Otto, há uma sequência emblemática sobre a nossa indiferença aos grandes problemas nacionais, aqueles que, na perspectiva brechtiana, talvez estivessem a exigir dos brasileiros a existência de verdadeiros heróis: Bishop escuta pelo rádio a notícia do golpe militar de 1964. Tomada de espanto, dirige-se à janela e vê rapazes jogando futebol nas areias de Copacabana. É quando demonstra o seu estranhamento de forma indignada: --- "Que país é este, onde se destitui um presidente e as pessoas vão à praia jogar futebol?!" O que não diria Bishop diante das ruas vestidas de amarelo por um golpe sujo como o de 2016?
É natural que o Brasil viva um clima de Copa do Mundo, kit completo; é natural que o país vista-se de verde e amarelo; é natural que bandeiras tremulem nas ruas e nos edifícios; que cantemos, tocados de patriotismo, o hino nacional. Mas que isso não cegue de uma vez os nossos olhos já tão embotados... Vou deste para outro assunto.
Em tempo: Chega às lojas de livros e DVD's o imperdível Manifesto, o filme do artista plástico alemão Julian Rosefeldt, baseado em instalação de mesmo nome apresentada em 2015 em diferentes países da Europa. Protagonizada pela australiana Cate Blanchet, que interpreta com irretocável competência nada menos que 13 papeis, o filme resulta de uma apurada colagem de diferentes manifestos políticos e artísticos, indo de Karl Marx a Lars von Trier e Jim Jarmusch. Construído numa perspectiva narrativa não convencional e não progressiva, Manifesto mostra o poder corrosivo da arte a partir do que professam as cartilhas de diversos movimentos de vanguarda, com destaque para o futurismo, o dadaísmo, o surrealismo e a Pop Art. Sobre este imperdível Manifesto, voltaremos a falar depois. Brasiiiil!