Cada vez mais as fronteiras entre as diferentes linguagens têm se mostrado devassáveis. Esse campo epistemológico, já há muito examinado por grandes estudiosos, na linha das contribuições de nomes importantes como os de Umberto Eco e Susanne Lange, para ficar em dois autores que curiosamente se colocam tão próximos e tão distantes, mas que são em igual medida incontornáveis no território do que se tem produzido sobre linguagem, vem despertando desde algum tempo o interesse do professor e eminente pesquisador Régis Frota, de que resultaram livros muito interessantes em torno das traduções intersemióticas, a exemplo de literatura/cinema, direito/cinema e arquitetura/cinema.
O tema, por si só, é muitíssimo sedutor, uma vez que o cinema trabalha no âmago da linguagem, constituindo, como já nos advertiu Julio Plaza, em livro obrigatório, o mais perfeito modelo das inter-relações semióticas desde suas bases estéticas, que exploram, é sabido, o cruzamento de diferentes códigos numa perspectiva de tempo/espaço que é mesmo o existe nele de mais específico: a montagem.
É pela montagem, pois, que o cinema condiciona o espectador a preencher vazios, silêncios, fragmentos de memória, estabelecendo com ele, o espectador, um tipo de parceria sem a qual nenhuma narrativa se sustenta, e a comunicação se tornará impossível em termos satisfatórios.
Não é muito lembrar o que teorizou sobre isso o cineasta russo Sergei Eisenstein em suas Reflexões de um cineasta: "A imagem inventada pelo autor torna-se a própria substância da imagem do espectador... Fabricada por mim, espectador, nascida em mim. Não somente obra do autor, mas obra minha como espectador, espectador que também é criador".
Digo isso para ressaltar o empenho bem sucedido de Régis Frota em parte significativa de sua vasta produção. Agora, vem a público com um livro diferente, sem abadonar, no entanto, sua visada atenta e habilidosa acerca das traduções entre diferentes linguagens, objeto epistemológico, como já disse, tão caro ao estudioso cearense, bem na linha do que faz quando examina Inocência, de Visconde de Taunay, levado para o cinema pelas mãos sensíveis de Walter Lima Jr., ou São Bernardo, de Graciliano Ramos, com a direção "segura" de Leon Hirszmann, dois dos muitos filmes sobre os quais se debruça Régis Frota em sua mais recente incursão no campo cinematográfico.
Mas o livro Memória e Silêncio no Cinema Chileno, como é fácil deduzir a partir do seu belo título, tem como escopo, mesmo, é o cinema do Chile, que Régis, pela paixão com que encara todos os desafios relacionados à sétima arte, passou a conhecer como poucos. Desse modo, não bastassem as numerosas e inquestionáveis qualidades da pesquisa, presta o autor um serviço sem precedentes à ensaística cinematográfica brasileira, preechendo, com mérito que devemos aplaudir, uma lacuna inaceitável, considerando-se aquilo que representa a cinematografia chilena, desde suas origens aos dias atuais.
Aprendi muito, pois, com o livro do Régis Frota, no que diz respeito ao cinema do Chile e a realizadores da envergadura de Raul Ruiz, Patrício Gúzman, Pablo Larrain, Matias Bize e Fernando Lavanderos, para citar uns poucos dentre aqueles já "vistos" por cinéfilos brasileiros. Aprendi muito, insisto. "Não fosse isso e era muito, não fosse tanto e era quase", que me ocorrem, neste instante, as palavras do poeta Leminsky.
Régis Frota, mais uma vez, enriquece o repertório crítico-analítico do cinema latino-americano, com destreza e aguda percepção do que é de fato relevante numa realização fílmica, e se firma como um conhecedor e crítico de cinema muito acima da média. O que dignifica a cinefilia do Ceará.
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