Com algum atraso, chega finalmente às livrarias da cidade Karl Marx e o nascimento da sociedade moderna, o muito aguardado livro de Michael Heinrich. Trata-se do primeiro volume de uma série de três livros sobre vida e obra do pensador alemão (os outros dois estão previstos para 2019 e 2020), resultado de uma pesquisa exaustiva e invulgarmente criteriosa do ponto de vista acadêmico acerca do processo histórico em que o biografado se desenvolveu como homem, teórico, político e revolucionário. Não sem razão, pois, Heinrich, já nas primeiras linhas do prefácio à obra, põe em evidência as motivações que o levaram a se debruçar anos a fio sobre documentos e fatos jamais explorados em outras biografias do autor de O Capital. Como afirma, sua intenção não é cultuar uma personalidade.
De fato. Ainda que a obra de Michael Heinrich se coloque na perspectiva festiva de outras produções ligadas aos 200 anos de nascimento de Karl Marx, o livro vai muito além do culto a sua personalidade, como que empenhado em mostrar-se fiel ao perfil pouco afeito a qualquer tipo de publicidade por que se orientou o revolucionário alemão. Esta a razão por que Heinrich começa a sua narrativa com o fragmento de uma carta em que Marx dá a ver sua indiferença com a popularidade que parecia mesmo persegui-lo: "[...] Comprovei aversão a todo tipo de culto à personalidade, por exemplo, no período em que participei das internacionais [refere-se à criação da Associação Internacional dos Trabalhadores, 1864), quando impedi que se tornassem públicas as várias tentativas incômodas --- vindas de diferentes países --- de reconhecimento; nem sequer as respondi, a não ser uma ou outra vez, rejeitando-as".
Irrelevâncias à parte, o livro corresponde ao prestígio que lhe tem sido atribuído por especialistas há poucos meses de sua publicação. Abordando do nascimento de Marx, em 1818, a inícios dos anos 40 (1841, para ser mais preciso), Karl Marx e o nascimento da sociedae moderna notabiliza-se por um rigor científico invulgar, e, esteio da pesquisa, pela consciência acadêmica do autor diante do que reconhece como projeto inacabado, a obra de Karl Marx, marcada por começos e rupturas que são mesmo o sentido e a razão por que se ressignifica com o passar do tempo, constituindo uma teoria de incontornável validade intelectual e política ainda hoje, ainda que o próprio Marx nos advirta que toda produção intelectual se prenda a um momento histórico específico.
Mas, é sobretudo num aspecto que o livro de Heinrich me impressionou positivamente, distanciando-se de algumas das publicações vindas à tona por ocasião do bicentenário de nascimento de Karl Marx: a recusa à tendência reinante de se querer historicizar a teoria marxista como página virada, sem qualquer potencial acadêmico e político na atualidade. Na contramão do que é mesmo lugar-comum nas muitas biografias de Marx, recentemente disponibilizadas no mercado e empenhadas em reproduzir o discurso de que "Marx está morto", o livro de Michael Heinrich aponta para um outro rumo. Se Marx estivesse de fato morto, como diz o jovem cientista político alemão, "não seria necessário evocar tanto a sua morte".
Um livro excelente!
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