sexta-feira, 1 de junho de 2018

Quando o mundo tremeu


Durante voo entre Fortaleza e Lisboa, leio 1968, quando o mundo tremeu, do jornalista Roberto Sander. Não está no mesmo nível de 1968, o ano que não terminou, de Zuenir Ventura, por exemplo, o melhor livro brasileiro sobre os movimentos estudantis de 50 anos atrás. E, é claro, perde feio para trabalhos de fôlego sobre o maio de 68 publicados na França, sobretudo lá, epicentro da rebelião que se propagaria mundo afora, o Brasil inclusive. Mas é leitura agradável que recomendo, notadamente para o público mais jovem, a quem o livro de Sander poderá prestar um relevante serviço do ponto de vista político, quando estamos a pouco menos de cinco meses de escolher deputados, senadores, governadores e, principalmente, o novo presidente brasileiro.

Refiro-me ao fato de que pesquisas recentes apontam Jair Bolsonaro como o primeiro ou segundo nome mais simpático aos eleitores brasileiros da faixa dos 20, 30 anos. Um absurdo, uma vez que só a ignorância (tomo a palavra aqui em seu sentido etimológico) para explicar tal fenômeno entre os jovens, que, presumo, desconhecem o que vivia o Brasil há meio século, e o que representa eleger um candidato de extrema-direita, militar e assumidamente identificado com o que existe de mais devastador como proposta de governo para o Brasil dos próximos quatro anos.

Escrito numa linguagem referencial, o livro de Roberto Sander é uma publicação mais que aconselhável para quem precisa saber o que foi 1968, a propósito de cujo ano é de cara justificável a expressão "quando o mundo tremeu", referência objetiva do autor a fatos que mudariam o mundo nos cenários político, social, econômico, cultural e científico.

Como afirma Roberto Sander com aguçada capacidade de análise, ainda que, sob muitos aspectos, conciso no registro de fatos que mereceriam ser tratados com maior riqueza de detalhes, bem na perspectiva do que parecem cobrar do historiador a Guerra do Vietnã, as manifestações em favor dos direitos civis, A Primavera de Praga e, acima de tudo, o explosivo movimento dos estudantes franceses em maio de 1968, o livro constitui mais que uma reflexão sobre tantos e tão importantes acontecimentos: o trabalho "garimpa histórias esquecidas pelo tempo que contribuíram para que 1968 fizesse a Terra tremer e selasse, de vez, o fim dos chamados anos de ouro".

Aos jovens brasileiros, como disse, em grande número empenhados em fortalecer a candidatura de Jair Bolsonaro e o seu ideário político tomado das piores intenções, destaco o capítulo do livro dedicado especificamente ao movimento estudantil brasileiro desde o início do ano, particularmente quando Roberto Sander registra o assassinato do estudante Edson Luís, em março, no Restaurante Central dos Estudantes. Popularmente conhecido pelo nome de Calabouço, o restaurante era o reduto estudantil que viria a ser palco das grandes discussões sobre o destino do país nas mãos da Ditadura Militar.

Impedidos de sair do Calabouço e participar de uma marcha histórica por algumas das principais ruas do Rio de Janeiro, "os estudantes avançaram e conseguiram, a muito custo, libertar Edson Luís", àquela altura, por volta das 18h 30, apreendido e submetido a maus-tratos por policiais. "Quando recuaram, narra o autor, foram ouvidos vários tiros. Um deles atingiu o rapaz [Edson Luís], que tombou ensanguentado e desacordado".

A exemplo do que fizera com brilhantismo Zuenir Ventura, Sander descreve como as coisas aconteceriam a partir daí: a revolta dos estudantes e a cinematográfica marcha até a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro carregando nos braços, sobre a multidão, o corpo do colega que se tornaria um dos principais ícones das lutas políticas dos jovens brasileiros há exatos 50 anos  ---  "Não era um cadáver qualquer, diz o autor, por trás de Edson Luís estava toda uma geração de jovens com princípios democráticos aflorados, sonhando com a liberdade e com um mundo mais justo. Eram tempos que não combinavam em nada com o regime de força que governava o Brasil. O choque entre duas partes da vida, cedo ou tarde. O peito baleado do jovem estudante do Calabouço apenas acelerou o embate".

   

  

 

  

  

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