Final de tarde, sou cercado por um grupo de alunas de Psicologia que me pedem uma entrevista para um trabalho da faculdade. Como não raro isso ocorre, penso tratar-se de uma entrevista sobre literatura, um Machado de Assis, um Drummond, um Ibsen etc. Que nada, querem que eu fale sobre relacionamentos hoje. - "Há um engano, o professor deve ser outro!", digo-lhes. - "Não, é com o senhor mesmo. Não é o prof. Álder Teixeira?". Uma das integrantes da equipe se diz frequentadora do meu blog e sugeriu o meu nome para falar sobre o tema. Aceito o desafio e as convido a virem ao meu edifício, onde as recebo no hall de entrada para a entrevista que segue. Presentearam-me com uma 'cópia' do texto final.
Alunas - Como você vê os relacionamentos hoje?
Álder - Vejo-os, hoje, mais desafiadores. As mulheres estão mais independentes, mais conscientes de que num relacionamento ninguém é dono da situação. Ocuparam o seu espaço, foram além disso e os homens, via de regra, não estão sabendo lidar equilibradamente com isso. Desse descompasso, quero crer, nascem os primeiros conflitos, que, mal resolvidos, terminam por gerar as grandes crises, o que quase sempre leva aos rompimentos. Mas não há só o lado negativo, felizmente. Essas conquistas da mulher, se bem compreendidas pelos homens, são decisivas para o fortalecimento de relações mais sólidas, também. Quando isso ocorre, o casal vive melhor e mais intensamente o relacionamento e ele tende a ser mais feliz e duradouro.
Alunas - Não acha que os relacionamentos, com esse formato, tendem a desaparecer?
Álder - Não sou tão pessimista quanto a isso. Talvez seja admissível considerar-se que o casamento tende a desaparecer, com esse 'formato' a que você se refere, e que não sei bem o que significa (risos). Os relacionamentos, não. Eles fazem parte da vida de homens e mulheres e continuam sendo um objetivo quase indispensável para a felicidade plena. Discordo daqueles que afirmam que as pessoas podem ser completamente felizes vivendo solitariamente.
Alunas - Não é melhor ser feliz sozinho que infeliz ao lado de alguém?
Álder - Esse me parece ser outro caso. Não falo que se devam manter os relacionamentos infelizes pelo simples medo da solidão. A solidão às vezes é necessária e saudável. Mas o relacionamento não deixa de ser uma meta. Não é 'o relacionamento' que leva à infelicidade, mas a forma como o casal conduz a sua realidade, sabendo lidar com os momentos difíceis, com as idiossincrasias, as diferenças, nunca esquecendo que o relacionamento não significa a morte das individualidades nele envolvidas.
Alunas - Posso fazer uma pergunta mais pessoal? Ou serei indelicada?
Álder - Sinta-se à vontade, mesmo que me diga respeito, como concluo.
Alunas - Você casou duas vezes, soube através de uma colega... viu no blog, não sei. Por que seus relacionamentos não deram certo?
Álder - Não pensei que esse assunto pudesse ajudar em alguma coisa para o trabalho de vocês. Mas vou responder, sim. Os meus casamentos deram muito certo. Guardo (e minhas ex-companheiras, por certo) as melhores recordações. Sou muito seletivo no que diz respeito a relacionamentos, razão por que não os tive em grande número. Mas, esteja certa, foram grandes relacionamentos. Costumo dizer que tive poucas paixões, mas todas muito intensas, sinceras, realizadoras. Um relacionamento nunca é feliz pelo simples fato de ter sido infinito. Lembro-me de Vinicius: "Que seja eterno enquanto dure!" (risos).
Alunas - Acredita no amor, quando hoje em dia as pessoas 'ficam' aqui e acolá. Mudam de parceiros, parceiras...
Álder - Isso é próprio de uma fase da vida, talvez da fase que algumas de vocês estão vivendo. Mas, com o passar do tempo, com o amadurecimento, os sentimentos vão sendo melhor trabalhados, as emoções deixam de ser a busca do improvável em favor do encontro das almas. Perdoem-me se lhes falo com essa linguagem tão antiquada, mas é assim que compreendo o bom relacionamento. Ele ainda existe e você haverá de descobri-lo em algum momento de sua vida, ainda jovem e entusiasmada com a beleza das coisas, com o milagre da vida! Por isso, acredito no amor e não vejo mudanças de comportamento que possam minimamente feri-lo. Sem amor, não há vida, portanto, não haverá relacionamentos, porque o individualismo terá imperado entre os homens. É como se fosse possível o surgimento de um mundo de solitários e infelizes.
Alunas - Mas os relacionamentos, hoje, terminam muito cedo...
Álder - É verdade. Isto faz parte de um mundo intolerante. Nos relacionamentos, a meu ver, tem faltado tolerância. Não há final de relacionamento que se dê por decisão rigorosamente equilibrada das duas partes, o que não haveria de ferir este bem precioso que chamo de tolerância. Há sempre uma iniciativa unilateral, porque alguém deixou de tolerar alguma coisa do outro. Por isso não há separação sem sofrimento; por isso quase sempre a amizade depois dos rompimentos torna-se difícil, pelo menos enquanto durar o sentimento que um dia levou ao encontro, à expectativa tão frequentemente frustrada de que "nascemos um para o outro." Ou porque de fato não existia amor, mas uma atração que, na falta de outra expressão, poderíamos chamar de paixão. Nas mulheres isso é mais comum: apaixonam-se perdidamente, mas esse sentimento não tem profundidade, prende-se há alguns fatores, como a carência, por exemplo.
Alunas - Discordo. Acho que o homem é muito mais volúvel...
Álder - Não disponho de elementos concretos, estatísticos, resultantes de uma pesquisa ou algo que o valha. Falo pelo meu senso de observação, pela minha percepção de como os relacionamentos começam e terminam hoje. Esta a razão por que considero o sentimento de amor mais intenso, mais enraizado no homem. Talvez por isso a mulher tenha uma capacidade de superação maior, quando o relacionamento termina. O homem tende a 'ruminar' por mais tempo. Numa sociedade, numa cultura em que não se aceita bem que o homem sofra por amor, porque isso não condiz com os valores machistas com que normalmente foi educado, a coisa torna-se ainda mais complicada. Ele interioriza a dor, esconde o machucado e o problema supostamente vai se prolongar por um tempo muito maior.
Alunas - Há segredos para o sucesso do relacionamento?
Álder - Se houvesse e eu os conhecesse não lhe daria, mas venderia caro (risos). Mas acho que existem atitudes, alguns substantivos que de certo modo equivalem ao que você chama de segredo. Aliás, escrevi uma crônica em que cito a fala de uma personagem de "Cenas de um casamento", de Bergman, um cineasta que adoro. A personagem é perguntada, também numa entrevista, sobre o sucesso do seu casamento, ao que ela responde mais ou menos assim: se há compreensão, cumplicidade, respeito, planos sensatos, admiração, o amor não é necessário.
Alunas - O sexo pesa nisso?
Álder - Evidente. O sexo é a coroação de todos esse elementos que unem o casal, que torna sua vida uma experiência agradável, prazerosa. O sexo é a revelação mais íntima da individualidade, por isso é sempre vazio quando a entrega não se dá por força dos sentimentos que envolvem as pessoas, isso a que chamamos de relacionamento.
Alunas - Professor, queremos agradecer pela entrevista.
Álder - Mas outros homens, outras pessoas serão também ouvidas no trabalho, não?
Alunas - Sim. Queremos tirar conclusões sobre como as pessoas veem o relacionamento hoje. A propósito, uma última pergunta. Como você vê a infidelidade.
Álder - Ih, amiga. Agora você tocou numa questão delicadíssima na perspectiva do relacionamento. Não compactuo com a ideia de que a infidelidade possa ser algo positivo para o restabelecimento de qualquer relação. Estou sendo sincero, embora nunca crônica pareça dizer o contrário. Lá, no texto, refiro-me aos relacionamentos que, embora falidos em sua essência, quando o desejo acaba, são mantidos por algum tipo de dependência. Nesses casos, afirmo, cedo ou tarde a infidelidade acontecerá. E considero a palavra demasiado forte, pesada para definir o que é apenas a busca de um prazer, de uma realização, que já não é possível em casa.
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