O que seria apenas a divulgação de trechos de uma entrevista despretensiosa, neste espaço, acabou suscitando opiniões declaradas de alguns leitores, leitoras, para ser mais preciso. Como essas opiniões foram-me enviadas por e-mail, numa evidência de que suas autoras supostamente não queriam torná-las públicas, num gesto de elegância ou pretensão de preservar sua intimidade, reservo-me o direito de comentá-las sem identificar sua autoria.
A primeira quer saber: - "Você bateu a cabeça ou mudou de opinião sobre a infidelidade?" Não, querida leitora, não bati a cabeça nem mudei de opinião sobre o que quer que seja, muito embora lembre aqui do chavão de que "só não muda de opinião quem não as tem." Sobre o tema faço a mesma leitura de sempre e, não é muito observar, tão-somente reproduzo na entrevista o que tornara público havia tempos na coluna que escrevo semanalmente para o jornal A Praça. A crônica intitula-se Quando o desejo acaba. Uma referência aos relacionamentos que, mesmo falidos, são mantidos por um tipo qualquer de dependência, financeira ou pela conveniência de criar 'juntos' os filhos, quando existem. Se considero a palavra infidelidade, nesses casos, dura ou pesada demais, longe estou de fazer a sua apologia, como entende a leitora.
A segunda indaga sobre o que penso dos "relacionamentos abertos", uma tendência típica da modernidade que não pode ser apreciada na perspectiva do modelo de relacionamento que me pareceu ser o objeto da entrevista no contexto de sua 'encomenda', um trabalho de faculdade que tinha por intenção pesquisar sobre como homens e mulheres da cidade pensam a vida a dois na atualidade. Não se trata, pois, da forma como se deve encarar a vida sexual de cada um, que, como a expressão deixa a ver, é uma questão de cada um.
Uma outra tem uma curiosidade mais rebuscada, digamos, e pergunta por que cito tanto naquilo que escrevo o cineasta Ingmar Bergman, notadamente o filme Cenas de um casamento. Em princípio, leitora, pelo fato de que a tessitura da obra aplicava-se à perfeição ao contexto da entrevista, uma vez que a película explora em profundidade o drama que vivem os casais quando o relacionamento faz a dolorosa curvatura da falência. Se não viu o filme, recomendo, pois se trata de um exemplo irrepreensível de reflexão sobre o amor. Mas, embora esse me pareça o filme mais consistente do cineasta sueco, se for o caso, não deixe de ver Gritos e sussurros, de inícios da década de setenta. Como é recorrente em Bergman, por sinal, é estrelado por Erland Josephson e Liv Ullmann, os mesmos de Cenas de um casamento.
O fato é que, não sendo nenhum bom conhecedor de cinema, nutro uma admiração incontida pelo conjunto da obra de Bergman. São filmes dolorosos, que trazem um já reconhecido componente autobiográfico do cineasta, um homem visceralmente marcado por um sofrimento pessoal assumido e jamais superado. Impossível, contudo, não fazer alusão a pelo menos duas outras grandes realizações deste artista genial. Gosto muito, particularmente, de Persona, cujo título no Brasil, se não me falha a memória, é Quando duas mulheres pecam, e de um filme mais recente, Infiel, de inícios desta década, com a direção competente de Ullmann a partir de um roteiro de Bergman. Uma obra, enfim, que me impressiona demais, pela densidade dramática e pela compreensão tão vertical da complexidade da alma humana, sobretudo no que respeita aos relacionamentos.
Às três, indistintamente, agradeço o privilégio que é tê-las como leitoras.
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