quinta-feira, 20 de maio de 2010

Despedidas

SEMPRE DETESTEI DESPEDIDAS. Tinha 7, 8 anos e, cada vez que alguém morria, ficava tecendo a excêntrica ideia: As pessoas, ao morrer, deviam apenas desaparecer, sumir, sem que ninguém soubesse para onde. Os garotos da rua se encontravam para brincar e alguém perguntava: - "E Pedrinho, não vem?" E um outro respondia: - "Não, Pedrinho desapareceu." E todos voltavam a brincar, que Pedrinho haveria de estar em lugar melhor.

E, no entanto, há que existir o beijo na face fria, as carícias nas mãos já endurecidas, o choro lancinante dos familiares e amigos, o som rouco da madeira arrastada contra o concreto do túmulo. Depois, a missa sem sentido, o sorriso na foto da lembrancinha.

Só algum tempo depois, pude rever minha ideia desmiolada, quando o Governo Militar adotou a prática hedionda de fazer desaparecerem presos políticos, numa de suas mais revoltantes atrocidades. Aí entendi que há algo de sagrado no ritual fúnebre e que é um direito inalienável da família enterrar seus mortos, que os 'Pedrinhos' não podiam simplesmente desaparecer.

Dias desses, a minha diarista teve de partir, o pai agonizando na cidadezinha distante. Veio me dar a notícia e logo percebi o ar de tristeza estampado no rosto. Depois de tanto tempo, não poderia continuar.

Abraçamo-nos demoradamente, e, comovidos, agradecemos pela boa convivência.

Ah, Cláudia, como sinto a sua falta! Cuecas e meias divinamente arrumadas na gaveta, as roupas bem passadas, a cozinha sempre limpa, a comidinha caseira cheirando no fogão...

Quando o pai de um amigo era transferido de cidade e nos despedíamos, quase sempre para nunca mais nos vermos, não conseguia conter a emoção e, não raro, evitava o último encontro. Com o passar dos anos, vieram outras despedidas, mais duras, mais dolorosas. A morte de uma pessoa querida, os casamentos desfeitos e o sofrimento de cada separação.

Cresci sentindo o cheiro da argamassa fresca, do tijolo molhado, da tinta a óleo nova nas paredes e portas. Meu pai tinha a mania de fazer reformas, de renovar a pintura da casa todos os anos. De costume, eram os mesmos pedreiros, os mesmos serventes, os mesmos pintores de parede. Ficavam dois, três meses convivendo com a família, tomavam o café da manhã e almoçavam conosco. Ainda lembro seus nomes e guardo viva a lembrança de como eram.

Terminada a obra, deixavam em mim uma saudade imensa, até que, um ano depois, voltavam para refazer o que haviam feito antes.

E assim, na contramão do que parece ser lógico, jamais me acostumei com as partidas e os adeuses que, cedo ou tarde, são coisas inevitáveis na vida de cada um de nós.

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