terça-feira, 4 de maio de 2010

Mulheres de nuvem

Aproveito o fim de semana para ler As curvas do tempo, livro de memórias de Oscar Niemeyer. Leve, com uma fluidez narrativa que envolve o leitor do começo ao fim, o texto do protagonista de Brasília tem momentos extremamente poéticos, a exemplo do capítulo em que comenta ter o hábito de observar as nuvens e imaginar as figuras inesperadas que sugerem. Aqui uma catedral enorme, acolá guerreiros terríveis ou monstros em disparada.

Uma feita, visualiza uma mulher bela e vaporosa, 'rosada como uma figura de Renoir' com quem vive uma excêntrica relação de passionalidade. Aos poucos, sob a força dos ventos, a musa vai se desfazendo e assumindo outras formas: "E pouco a pouco a minha amada foi se diluindo, os braços se alongando com desespero, os seios a voarem como que se destacando do corpo, as longas pernas se contorcendo em espiral, como se dali ela não quisesse sair."

Fecho o livro e fico imaginando que, também na vida real, como na metáfora de um lirismo contagiante de Niemeyer, as pessoas surgem do inesperado em nossas vidas, formam-se com uma beleza irresistível, despertando a mais louca paixão. Vêm e vão ao sabor dos ventos, desaparecem de nossa vida como a bela e vaporosa mulher, assumem outras formas, quase sempre distantes do que imaginávamos. Por um tempo, contudo, deixam-se em partes, como os olhos 'cheios de espanto e tristeza, quando uma nuvem maior, densa e negra, a levou para longe de mim.' E fica-se a 'olhá-la, inquieto, a lutar entre as nuvens que a envolviam, fustigada pela fúria dos ventos que a dilaceravam impiedosamente.'

Há, contudo, aquelas que não desaparecem por inteiro e, vez e outra, ressurgem como fênix das cinzas, na música que ouvimos, nos lugares em que estivemos numa tarde quente de verão, nas ruas pelas quais transitamos de mãos dadas, nos espaços da casa que dividimos um dia, nos discos, filmes e livros que curtimos juntos e, agora, quedam em abandono na prateleira da estante, na praia que traz de volta as nossas manhãs de domingo.

Voltemos ao livro. As curvas do tempo revelam, assim, a face doce e terna de um homem em tudo extraordinário, movido pela sensibilidade que o singulariza entre os artistas de sua época, pelo senso de justiça e solidariedade com que teceu uma história que constitui motivo de orgulho para contemporâneos e pósteros. Aqui e além fronteiras.

2 comentários:

  1. Que coisa linda, meu Deus! Amigo, você está cada vez melhor como cronista. Você é lindo, e não é 'homem de nuvem.'Rsrsrs!!!
    Beijoca!

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