Esta semana farei palestra numa universidade pública sobre o sentido do filme Perfume de Mulher. Existem duas versões, mas me incumbiram de falar sobre a segunda, dirigida por Martin Brest, com Al Pacino interpretando o tenente-coronel cego em torno do qual gira a comovente história roteirizada por Bo Goldman. A primeira, italiana, é também excepcional e traz a assinatura de Dino Risi, com um elenco não menos competente: destaque para Vittorio Gassman e Agostina Belli, tão linda quanto a estonteante Gabrielle Anwar do remake americano. Com este, Al Pacino ganhou o Oscar de 1993. A sua interpretação é mesmo um espetáculo à parte, embora se saiba que não fez nada que não se deva, com rigor, considerar magnífico.
Como tivesse assisitido ao filme há muitos anos, vi em DVD as duas versões. Sem pruridos, gosto mais da segunda, em que pese trazer os conhecidos vícios do cinema americano de fins do século: a direção, embora segura e sensível à força dramática do roteiro, explora clichês já muito conhecidos e que nada acrescentam ao núcleo central da história. A cena da Ferrari, por exemplo, chega a ser ridícula, nomeadamente pelo fato de Frank Slade (a personagem cega de Pacino) dirigir a duzentos por hora em plena cidade, sem que nada de mau lhe aconteça. Mesmo a essa cena, contudo, deve-se fazer alguma concessão, afinal, segundo a teoria da verossimilhança aristotélica "a poesia [a Arte, portanto] pode distanciar-se da realidade e apresentar fatos e personagens não como são, mas como poderiam ou deveriam ser". É este irracional / impossível, no entanto, que poderia ter sido evitado na perspectiva de um filme muito certinho como Perfume de Mulher.
O filme tem, em contrapartida, um momento absolutamente mágico e comovente. Refiro-me à cena em que Al Pacino dança um tango com a irresistível Gabrielle Anwar, que merece figurar entre as mais belas do cinema em todos os tempos. É nela que pretendo me segurar para discutir com os alunos o sentido mais relevante do filme, consciente de que toda obra de arte tem muitos sentidos e ler bem um filme pressupõe o direito de invadir territórios aceitavelmente subjetivos do mesmo, o que é muitas vezes indispensável a fim de que não se incorra no lugar-comum de comentar apenas o fio condutor da história, no caso tão evidente e simples que dispensa uma análise mais atenta.
Como fiz alusão a Aristóteles, não é muito considerar que Perfume de Mulher permite ancorar a análise na sua dimensão catártica, aquela função artística tão bem teorizada pelo filósofo grego no seu ainda insuperado Poética. Acho que o filme de Brest proporciona ao espectador uma experiência purificadora, num tempo em que andamos tão para baixo em relação ao sentido de nossas vidas e ao que nos aguarda no futuro. Todo bom roteiro de cinema nos coloca diante desse momento epifânico na vida da personagem. É quando ela se transforma e revela a sua real natureza interior, quando nos conquista, levando-nos, enquanto espectadores, a nos identificar com ela. A cena da dança de Pacino é esse momento mágico. Em O Poder do Mito, um livro fundamental, Joseph Campbell professa que em todo ritual de iniciação é necessário que um eu morra a fim de que um novo eu possa nascer. É o que ocorre a Frank Slate. Ao final de Perfume de Mulher, o homem antes insensível e revoltado, duro e frio, obsessivamente perseguido pela ideia de cometer suicídio, como o melhor Dostoiévski, descobre que o segredo da existência humana está nas coisas mais simples -- e encontra razões de viver. Nasce um outro homem, terno e justo. É o que a câmera vai mostrar com poesia na cena final do filme. Este me parecer ser o seu sentido maior.
Como tivesse assisitido ao filme há muitos anos, vi em DVD as duas versões. Sem pruridos, gosto mais da segunda, em que pese trazer os conhecidos vícios do cinema americano de fins do século: a direção, embora segura e sensível à força dramática do roteiro, explora clichês já muito conhecidos e que nada acrescentam ao núcleo central da história. A cena da Ferrari, por exemplo, chega a ser ridícula, nomeadamente pelo fato de Frank Slade (a personagem cega de Pacino) dirigir a duzentos por hora em plena cidade, sem que nada de mau lhe aconteça. Mesmo a essa cena, contudo, deve-se fazer alguma concessão, afinal, segundo a teoria da verossimilhança aristotélica "a poesia [a Arte, portanto] pode distanciar-se da realidade e apresentar fatos e personagens não como são, mas como poderiam ou deveriam ser". É este irracional / impossível, no entanto, que poderia ter sido evitado na perspectiva de um filme muito certinho como Perfume de Mulher.
O filme tem, em contrapartida, um momento absolutamente mágico e comovente. Refiro-me à cena em que Al Pacino dança um tango com a irresistível Gabrielle Anwar, que merece figurar entre as mais belas do cinema em todos os tempos. É nela que pretendo me segurar para discutir com os alunos o sentido mais relevante do filme, consciente de que toda obra de arte tem muitos sentidos e ler bem um filme pressupõe o direito de invadir territórios aceitavelmente subjetivos do mesmo, o que é muitas vezes indispensável a fim de que não se incorra no lugar-comum de comentar apenas o fio condutor da história, no caso tão evidente e simples que dispensa uma análise mais atenta.
Como fiz alusão a Aristóteles, não é muito considerar que Perfume de Mulher permite ancorar a análise na sua dimensão catártica, aquela função artística tão bem teorizada pelo filósofo grego no seu ainda insuperado Poética. Acho que o filme de Brest proporciona ao espectador uma experiência purificadora, num tempo em que andamos tão para baixo em relação ao sentido de nossas vidas e ao que nos aguarda no futuro. Todo bom roteiro de cinema nos coloca diante desse momento epifânico na vida da personagem. É quando ela se transforma e revela a sua real natureza interior, quando nos conquista, levando-nos, enquanto espectadores, a nos identificar com ela. A cena da dança de Pacino é esse momento mágico. Em O Poder do Mito, um livro fundamental, Joseph Campbell professa que em todo ritual de iniciação é necessário que um eu morra a fim de que um novo eu possa nascer. É o que ocorre a Frank Slate. Ao final de Perfume de Mulher, o homem antes insensível e revoltado, duro e frio, obsessivamente perseguido pela ideia de cometer suicídio, como o melhor Dostoiévski, descobre que o segredo da existência humana está nas coisas mais simples -- e encontra razões de viver. Nasce um outro homem, terno e justo. É o que a câmera vai mostrar com poesia na cena final do filme. Este me parecer ser o seu sentido maior.
Qual o local da palestra? É aberta ao público?
ResponderExcluirOlá, Álder!
ResponderExcluirBom, antes, devo confessar que sou fã de carteirinha de Al Pacino. Já vi muitos de seus filmes, inclusive este, Perfume de Mulher, que eu não gostaria de estar na sua pele para desossá-lo (risos). Agora, tem um detalhe, e creio que você concordará comigo, Al Pacino dublado, não convém ― e me perdoe o dublador.
Abraços e sucesso!
Adoraria assistir à sua palestra! Onde vai ser?
ResponderExcluirDesculpa...
ResponderExcluirObrigado pela visita ao blog. Mas não ficou clara a sua mensagem...
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