quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

O jornalismo que enoja

Na campanha para presidente, em 1989, o debate entre Fernando Collor e Lula foi editado pela jornalismo da Globo de forma tão tendenciosa, descaradamente tendenciosa, que se tornou fato decisivo para que o alagoano vencesse as eleições. O senso comum não teve o alcance para perceber o jogo de interesses que levava a família Marinho a agir dessa forma, vendendo gato por lebre. O fato, de tão acintoso, levou empregados da própria rede de TV, atores e diretores de telenovela à frente, a que se somaram outros artistas e intelectuais, a exigir uma retratação da emissora. Para não correr o risco de ser acusado de estar manipulando informações, reproduzo aqui o texto a que qualquer um poderá ter acesso no site do império da família de Roberto Marinho. 
 
"A partir desse episódio, a TV Globo decidiu não mais editar debates políticos, limitando-se a apresentá-los na íntegra e ao vivo. Concluiu-se que um debate político não pode ser tratado como uma partida de futebol, pois no confronto de ideias, não há elementos objetivos comparáveis àqueles que, num jogo, permite apontar um vencedor. Ao condensar um debate, necessariamente bons e maus momentos dos candidatos ficarão de fora, segundo a escolha de um editor..." E por aí vai.
 
Infelizmente, a nota, com o passar dos anos e com a morte do patriarca Roberto Marinho, não somente foi esquecida, mas parece ter se transformado num código de ética pelo avesso, a tomar por base o que se vê todas as noites no Jornal Nacional, maior e mais prestigiado formador de opinião do país, contra o PT e o ex-presidente Lula. É de embrulhar o estômago de qualquer um, não contando, claro, o expressivo contingente de brasileiros que sonham com um retrocesso, na perspectiva de uma volta do PSDB ao governo. Para não incluir na estatística macabra, o que é pior, aqueles que sonham inclusive com a volta dos militares ao Poder.
 
Um diretor de telejornal, do ponto de vista técnico, lança mão dos mesmos mecanismos que um diretor de cinema, realiza, portanto, um tipo de ficção, na medida em que faz escolhas de 'montagem' como qualquer cineasta: corta, emenda, subtrai, acrescenta, realiza recortes, enquadra, movimenta câmeras e produz (é o termo) "fatos", irrealidades que são lançadas no ar como se tratasse da realidade mais nua e mais crua. De revoltar, uma vez que o espectador vê diante dos olhos e pelas informações do "roteiro", a "realidade", quando, em verdade, está sendo forçado a percebê-la conforme é do interesse do sistema ideológico que a manipula e transforma, com as motivações mais inconfessáveis e indignas. Uma vergonha!   
 
Ontem, com uma dosagem de cinismo que só tem parâmetros na desfaçatez do seu âncora, William Bonner, o diretor do Jornal Nacional (o próprio), à frente das câmeras, para qualquer telespectador mais atento constatar, mal disfarçou um gesto que tem no cinema o seu equivalente no tradicional "Corta!". Fui à internet conferir: o fez para não permitir que, por desaviso ou descuido, a ilha de edição nos deixasse ver e ouvir o presidente da França, François Hollande: "Lula é uma referência para o mundo. Tem a minha solidariedade, e dos franceses, neste instante!"   
 
  
           

Um comentário:

  1. Prezado Álder

    Em que pese discordar das palavras do amigo em algumas essências do conteúdo, por considera-las carregadas pelo sentimento e pela emoção que lhe são peculiares, reconheço a clareza da sua argumentação e o texto bem estruturado.
    A manipulação da mídia é real tanto pela Globo quanto pelo Granma, por exemplo. O poder da mídia é imenso e distorce a realidade dos fatos a seu bel prazer, e, pior ainda, muitas vezes movido a interesses escusos. Acredito ainda que só a educação a longo, longuíssimo prazo, pode defender o homem dessas investidas. Mais uma vez, meus parabéns por suas crônicas. Elas sempre me fazem refletir bastante.
    José Luiz

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