Fã confesso do cinema da Escandinávia, fui ver Estórias de Estocolmo, que abriu ontem, com chave de ouro, a Mostra do Cinema Nórdico de Fortaleza. Um belo filme, sobre o qual, por provocação do amigo Régis Frota, produzirei coluna oportunamente.
Os termos escandinavo e nórdico, sabe-se, servem indistintamente para definir um grupo de países ricos e muito próximos não apenas do ponto de vista geográfico (norte da Europa), mas, sobretudo, por uma assumida identidade cultural: Dinamarca, Finlândia, Islândia, Noruega e Suécia, aos quais se somam os territórios autônomos da Groelândia e das ilhas Faroé.
Didatismo à parte, esses países, Dinamarca e Suécia à frente, produzem desde há muito uma cinematografia de elevadíssima qualidade, a que, por certo, não raro se devem grandes paixões pela sétima arte, bem como ocorreu a este escriba, bergmaniano de quatro costados.
Quem haverá de esquecer, diga-se de passagem, o talento e a beleza de atrizes como Greta Garbo, Ingrid Bergman, Anita Ekberg, Bibi Andersson ou Liv Ullmann, para ficar em uns poucos nomes memoráveis do cinema nórdico?
A este respeito, por sinal, é curiosa a tendência natural de se considerar a Suécia, por exemplo, um país tentadoramente libertino em termos sexuais, o que, até onde sei, entre nós, tem suas raízes no curioso envolvimento do jogador Garrincha com belíssimas louras, ali nascidas, quando da estada da seleção brasileira em Estocolmo durante a Copa do Mundo de 1958. O fato é minuciosamente narrado por Ruy Castro no delicioso A Estrela Solitária.
O mito, no entanto, tem origem no conservadorismo norte-americano e está, de fato, relacionado com o cinema. Vejamos.
No auge de sua carreira, mas aborrecida com o modelo cinematográfico então dominante nos Estados Unidos, onde havia desferido seus mais altos voos como atriz, a sueca Ingrid Bergman escreve ao cineasta italiano Roberto Rossellini expondo sua admiração pelo diretor e pela cinematografia do país à época, segunda metade dos anos 40. Meses depois, Bergman recebe o convite do diretor de Viagem à Itália para protagonizar Stromboli, o primeiro de uma série de grandes filmes que fariam juntos.
Do filme à paixão de um pelo outro foi um sopro, do que resultaria o divórcio da atriz nórdica com Petter Lindströn e de Roberto Rossellini com Anna Magnani.
Do amor, além de filmes soberbos, nasceria a belíssima Isabella Rossellini. Sobre o caso há, por sinal, um filme curioso, A Guerra dos Vulcões, de Francesco Patierno, se não me engano, de 2011.
Segundo Paulo Guimarães, notável estudioso dos países escandinavos, é preconceituoso o que se diz sobre a mulher sueca no que tange a sua sexualidade. A banalização da nudez e do sexo, diz ele, mais se deve a uma natural expressão de liberdade individual que ao erotismo propriamente dito.
Independentemente disso, porém, o envolvimento de Roberto Rossellini e Ingrid Bergman entraria para a história como o maior escândalo do jet-set, nomeadamente em Hollywood, que passaria a execrar a atriz sueca pelo sem-fim dos tempos.
Mas é a qualidade do cinema nórdico o que interessa. Destaque para nomes obrigatórios, ocorrendo citar de cor, Vilgot Sjoman, Alf Sjoberg, Arn Mattson, Bo Widerberg, Bergman (o maior deles), Lars Von Trier, Thomas Vintenberg e tantos outros. Cinema denso, de sondagem psicológica, de mergulho na alma humana, mas não menos extraordinário pela beleza estética e pelo pleno domínio do instrumental cinematográfico por parte de grandes diretores de ontem e de hoje.
É esse jeito de fazer cinema --- e que faz a Escandinávia gozar de um prestígio diferenciado ---, que se poderá apreciar quatro vezes ao dia durante a Mostra do Cinema Nórdico. Se a atenção, desta feita, está voltada para o cinema contemporâneo, tanto melhor. Razão por que não se deve perder tal oportunidade. Recomendo.
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