quinta-feira, 3 de agosto de 2017

Toques de cinema

OS AMANTES

Os amantes do cinema "acordamos" um tanto viúvos nessa segunda-feira 31. Morreu em Paris, aos 89 anos, Jeanne Moreau, a musa da Nouvelle-Vague, movimento estético que fez a cabeça de minha geração. Não era linda, por exemplo, nos parâmetros estabelecidos para Nastasja Kinsk de A Tentação Proibida (1970), de Alberto Latuada, ou Ava Gardner de A Deusa do Amor (1945), de Elia Kazan. Longe disso. Mas ninguém, na sétima arte, soube como ela dominar a subjetividade masculina, enchendo de uma emoção terna e doce os corações cinéfilos do mundo inteiro.

Morre consagrada, na perspectiva do que afirmou o presidente Emmanuel Macron, para quem Moreau era a França em forma de mulher.

Deixa viva, para nós, seus súditos em termos cinematográficos, a sensualidade provocante de Os Amantes (1958), de Louis Malle e a irreverência inconfundível da quase adolescente de Jules e Jim (1962), de François Truffaut.

Para não falar de suas atuações irrepreensíveis em A Noite (1961), de Michelangelo Antonioni e Diário de Uma Camareira (1960), de Luis Buñuel. Quem sabe o veludo da voz quando cantou Le Tourbillon de La Vie, em cena memorável de Uma Mulher para Dois Homens, como perversamente o clássico de Truffaut tornar-se-ia conhecido no Brasil.

CINEMA CHILENO

Numa iniciativa iluminada, a Caixa Cultural Fortaleza vem apresentando, desde 1 do corrente, a Mostra de Cinema Chileno, dentro de uma programação de fôlego do 27o Cine Ceará  --  Festival Ibero-Americano de Cinema. No catálogo, entre os grandes nomes do cinema chileno, o destaque vem para filmes experimentais ou ditos surrealistas, na linha do que fizeram Raúl Ruiz e Alejandro Jodorowsky.

Deste, revi, no primeiro dia da mostra, o polêmico El Topo (1970). Revi e mais uma vez, que me perdoem os aficionados do cinema underground, não gostei, em que pese ter olhos abertos para a assumida revisão da gramática cinematográfica clássica levada a efeito pelo autor de A Montanha Sagrada (1973). 

Se é possível apresentar uma sinopse do filme, pelo menos de modo a tornar palatável as rupturas narrativas da película, que beiram o nonsense, pela extravagância de sua concepção e escolha de estratégias formais, El Topo transcorre a partir do que se convencionou chamar de "apocalipse nuclear", de que resulta o imenso deserto em que se transformou o mundo.

É nesse cenário de um faroeste surreal que El Topo, a personagem central, resolve reaproximar os irmãos Caim e Abel, separados pelo pai sob a suspeita de que Caim pudesse matar Abel.

Já no início do filme, pois, é que se vê a cerimônia de cremação da mãe, abrindo-se desde então o complicado legue dramático do filme e o que   ---    parece   ---, será o inelutável cumprimento do destino.

O filme, pode-se perceber, tem bases temáticas assumidamente místicas (ou míticas?), mas não é isso o que faz de El Topo uma obra de difícil compreensão. É a profusão de alegorias e o tratamento estético propriamente dito que o tornam prolixo.

Jodorowsky abusa dos efeitos cinematográficos de extração surrealista, bem na direção do que fizeram os aclamados integrantes da chamada arte new age.

Sem incorrer no que se poderá, precipitadamente, julgar uma contradição deste escriba, cabe evidenciar aqui o fato de que se trata, apesar de tudo, de um grande artista, sobremaneira pelo domínio de múltiplas linguagens. Jodorowsky é um realizador original e ousado, quer quando faz cinema, quer quando compõe, escreve, interpreta, desenha ou "pensa", tendo se revelado um filósofo do mais arraigado humanismo.

Gostar-se do que faz, num ou noutro suporte estético, diga-se a bem da verdade, tem uma medida considerável de subjetividade que se pode dizer kantiana. Vale conferir. 

 

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