Para quem deixou de fumar, o cigarro é como ex-mulher: você está convencido de que não quer mais, mas não suporta vê-la na mão dos outros. Matando um leão por dia, chegou a minha vez. Não quero mais. Mas, tão difícil quanto largar esse falso amigo, é não se tornar um chato de galocha, patrulhando quem fuma e, nem por isso, está de mal com a vida. A propósito, diz um amigo meu: - "Adolescente, crente novo e ex-fumante é tudo igual, ou seja, um porre! Bate, Ricardinho.
Dir-se-ia que o cigarro é, sem dúvida, um dos maiores prazeres, e só quem fuma sabe o que estou dizendo. Não à toa, há quem o compare àquilo que é, ou deveria ser, uma unanimidade. Um uísque antes, um cigarro depois. Fico imaginando, se a mitologia se presta bem a tanta coisa, por que não em se tratando do cigarro. Pois bem, se a Fênix renasce das cinzas, todo fumante carrega a consciência de que a vida é uma contagem regressiva. É preciso degradar-se, para realizar o voo.
Digressão à parte, que todo ex-fumante é antes de tudo um ansioso sem cura, parar de fumar é que nem fazer autoflagelação. E não me venham com as tais receitas, que é tudo uma mesma empulhação, da bala de hortelã àqueles adesivos ridículos que se vendem nas farmácias. Tenho dito, para o ex-fumante só há uma saída: pensar no futuro, que o presente é uma tortura. Daí vem o discurso já conhecido: - "Estou dormindo como um anjo." Mentira cabeluda. O sujeito acorda duas, três vezes pensando na droga do cigarro, sem falar nas vezes sem conta que sonha dando belas baforadas. "A comida agora tem sabor." Ansiedade, amigo, é o nome disso. A balança que o diga. Prepare-se para ganhar uns três ou quatro quilos, bem ligeiro. Voz da experiência.
Dia desses, caminhando na praia, antes da academia e da sessão de análise que todo fumante, cedo ou tarde, haverá de fazer, deparo com uma amiga. Como todo ex-fumante é bicho excitado, disparo: - "E aí, beleza? Parei de fumar sabia?" Ao que ela responde, na maior sem-cerimônia: - "Explicado! Eu vinha dizendo: será ele, com aquela barriga?!" Fazer o quê? É trancar o fôlego e esconder a evidência.
Para não falar do stress, que nem mesmo o ex-fumante é capaz de tolerar. O cara se desentende com o espelho... No trânsito, então, parece descobrir que a buzina é 'o grande lance' do automóvel. E tome palavrão. O motorista do ônibus está coberto de razão e só você não vê: - "Qual é mermão, vai passar por cima?" Uma baixaria de que você jamais se julgou capaz. E a mão, tonta de displicente, procurando no painel a válvula de escape que já não há.
Sei, não. Parodiando Vinicius, o poetinha (quem não dirá?), o cigarro é o cachorro branco em forma de cilindro. Em tempo, ocorrem-me as palavras de um cronista português: - "Depois do calor, de sua sujidade, do veneno que contém, da chama insidiosa que finge não queimar e do fumo que, prestigitador, finge cumprir velhas ambições ao etéreo, que mais pode surgir se não a vida (a única coisa que possuímos sem filtro)?"
Perfeito. A vida! A mesma que, se ainda não matou, o cigarro matará um dia.
Abril de 2009
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