quarta-feira, 10 de junho de 2009

Sina de quem escreve

Em meio a tantas interpretações aceitáveis, leitor manifesta insatisfação em face de alguns temas aqui abordados. Sobre a coluna intitulada Quando o desejo acaba, publicada há pouco, diz constituir um "desserviço" aos casais. Vai além: - "Você é um formador de opinião, não deve fazer a apologia da infidelidade" (sic). Quero crer que o aludido leitor está brincando, haja vista que em momento algum tive tal intenção.

O caso exemplifica à perfeição o abismo que separa o conteúdo de um texto da interpretação que se pode dar ao mesmo. Incompetência de leitura à parte, o que se dá aqui e além, o fenômeno é corriqueiro e tem sido objeto de estudos importantes no campo da filosofia e da linguística. Poderia citar agora, pelo menos, uma dezena de estudiosos renomados que se dedicaram a examinar este aspecto da comunicação escrita.

Humberto Eco e Paul Ricoeur, para ficar em dois exemplos que me ocorrem neste instante, deram contribuições relevantes sobre a matéria. O segundo, por exemplo, chama a atenção para o fato de que todo e qualquer texto, sendo uma produção de linguagem, é algo dotado de sentido. Mas, uma vez escrito, deixa de ser propriedade do autor. Para o pensador francês, é o leitor que dá voz ao texto, quem lhe atribui sentido àquilo que quer dizer, quem o atualiza em cada ato de leitura. E, aí, reside aquilo que mais nos interessa: As intenções do autor, as idéias que o levaram a produzir o texto etc., ficaram para trás quando o leitor procura dar sentido às suas palavras. O texto adquiriu autonomia e são muitos os fatores que passam a pesar no momento da sua interpretação.

O que quis o leior encontrar no texto? Quais os valores que, internalizados por ele ao longo dos tempos, orientaram a sua leitura? Que diálogo foi capaz de estabelecer com o texto, na sua estrutura, independentemente do autor? Nesse aspecto, é fundamental que se leve em conta que, diferentemente do que se dá na comunicação oral, na experiência da leitura não é possível a reconstrução do discurso, a substituição de palavras ou expressões, o esclarecimento imediato das dúvidas suscitadas. O texto, como diz Ricoeur, não pode falar se não aquilo que fixou através das palavras, ainda que esteja aberto para diferentes interpretações - o que é outro aspecto importante da questão.

Ricouer chama este movimento da linguagem de "veemência ontológica", isto é, "a passagem do mundo do texto para o mundo da ação, que resulta na interpretação do leitor." O texto, fixado pela escrita, submete-se às circunstâncias do leitor, aos seus equívocos, acréscimos e distorções.

Desculpo-me pela aridez da coluna, pelo 'academicismo' da abordagem, mas reafirmo, com isso, as idéias expostas anteriormente sobre temas os mais variados. Mesmo quando incomoda alguns leitores, como no caso da infidelidade " quando o desejo acaba." Lamento, pelas razões evidenciadas, não poder me responsabilizar pelo que um ou outro leitor venha a concluir daquilo que escrevo. É sina de quem escreve. No caso, de um mau escritor.

10 de junho de 2009

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