terça-feira, 20 de novembro de 2007

A lendária história de Sartre e Beauvoir


Em muitas de minhas colunas tenho discutido a complicada questão dos relacionamentos, assunto que tem suscitado controvérsias entre os leitores. Sem querer retomar o fio condutor do tema - e considerando importante o fato de provocar polêmicas no mínimo interessantes com as opiniões emitidas -, volta e meia sou “convidado” a discutir o assunto, o que, pelo lado que me parece saudável, faço com a maior satisfação. Seria outro o papel de quem escreve e torna públicas suas idéias? Acho que não, razão por que ainda uma vez reservo-me o direito de fazê-lo aqui neste espaço.

Calma. Não se trata dos namoros virtuais e da tão corriqueira discussão em torno da validade dos sites de relacionamentos. É que acabo de ler um livro bastante curioso sobre a vida de um casal cuja história, passados tantos anos desde o falecimento dos amantes, continua a despertar as mais desencontradas opiniões. Refiro-me aos escritores Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir, brilhantemente biografados por Hazel Rowley, uma obcecada admiradora da autora do clássico O Segundo Sexo. O livro é simplesmente desconcertante e, como que, deixa o leitor hipnotizado da primeira a última página.

Rowley estudou a vida de Beauvoir ao longo de pelo menos 20 anos. Há algum tempo escreveu uma tese de doutorado sobre a feminista francesa e traz, com a biografia por ela produzida, uma contribuição envolvente em torno da excêntrica relação de amor entre Sartre e Simone de Beauvoir. Como é sabido, os dois mantiveram um “casamento” que durou por mais de 50 anos, morando em casas separadas - e o que é mesmo mais inquietante, dispensando-se o direito de viverem incontáveis paixões enquanto estiveram vivos. Tête-à-tête é o título da obra.

Inicia-se com o primeiro flirt, por volta de 1929, e percorre a rica trajetória de suas existências até suas mortes mais de 50 anos depois. Em que pese a solidez desse amor incomum, tiveram vida tumultuada juntos, em meio a experiências eventuais de infidelidade, brigas, desentendimentos intelectuais, divergências mil. O livro é focado na figura de Beauvoir, mas, natural, expõe a face contraditória do autor do imperdível As Palavras. Revela de forma cativante suas excentricidades e a indomável compulsão para conquistar mulheres. Quase sempre mais jovens e, item de que nunca abria mão, belíssimas, o que não seria estranho não fosse Sartre um homem assustadoramente feio. Que peculiaridades, então, manteve esse relacionamento por tanto tempo? Não é simples opinar, mesmo depois de se ler o livro de Hazel Rowley.

Por certo, se é que se pode apropriadamente falar-se do “certo” com relação a Sartre e Beauvoir, porque souberam à perfeição compreender o profundo significado da palavra liberdade; porque entenderam que a pior solidão é a que se vive a dois; porque tiveram a clareza dos objetivos “maiores” de um e outro. Amaram-se, antes de tudo, como indivíduos; e amaram, ao lado disso, a liberdade, as letras, a filosofia, a ação política. Muito pouco, claro, quando se tem como referência o amor-renúncia, modelo pelo qual fomos educados e por que passamos a identificar no relacionamento aquilo que nos parece fundamental. Nada, contudo, que torne dispensável a leitura desse livro altamente recomendado. Confira, se puder.

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