quinta-feira, 15 de novembro de 2007

Meu amigo Paulino e o telefone celular

"O grande perigo da tecnologia é implantar no homem a convicção enganosa de que é onipotente, impedindo-o de ver sua imensa fragilidade."
(Hermógenes, Mergulho na paz)
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Espirituoso, amigo meu diz que as duas maiores invenções do homem são o celular e o moto-táxi. Entre perplexo e irônico, quis saber por que achava isso. O celular vá lá, mas o moto-táxi... Ele me contou uma história curiosa: estava certa vez no fundo de um cacimbão acompanhando o conserto de uma bomba de puxar água e o eletricista dá pela falta de um parafuso, segundo disse, imprescindível para concluir o reparo. O meu amigo olhou para o alto e sentiu o drama: sessenta “degraus” de escada, só para subir. Foi então que lembrou do celular no cós da calça. Ato-contínuo, ligou para um moto-táxi. Quinze minutos depois lá estava o parafuso em suas mãos. Motor consertado, caixa d’água cheia, ficou a gratidão aos “dois maiores inventos do homem”.

São mesmo dois grandes quebra-galhos. O problema é que, quanto ao primeiro, é hoje um bem de consumo que nos escraviza. Dia desses, furtaram-me o meu e, sem que tivesse me dado conta disso antes, fiquei a ver navios. Não sabia, juro, o telefone de casa. Do filho, amigos, nem pensar. Foi aí que concluí: somos reféns do aparelhinho. O troço é hoje muito mais que uma conquista da tecnologia. É o sangue das veias conduzido na mão, ou, como é o caso desse meu amigo, no cós da calça. Sem falar que, do topo à base da pirâmide social, todo mundo tem o seu. Para uns o telefone móvel tem mil outras utilidades. Quanto a mim, limito-me à sua função básica, que imagino ser mesmo a de me possibilitar contatos nas necessidades. Para a maioria - as mulheres, então - é bem mais que isso. É adereço, é o brinco nas mãos.

Dia desses, na praia, fiquei reparando. Não há mulher, independentemente da idade, que saiba chegar à praia sem o celular na orelha. Gesticulam, riem, andam, param um pouco. E haja charme. Um jogo de cena, meu Deus, que mais parece “marcação” de teatro. Ficam lindinhas, claro, mas será mesmo que todo mundo resolve ligar exatamente na hora em que se pisa a areia da praia? Sei, não. Ouvi certa vez que é tudo uma encenação mesmo. Aliás, em Iguatu, há um vereador que faz o mesmo que as meninas da praia, disseram-me. No caso, não havendo o sol aberto e o mar cristalino, acontece nos restaurantes. E lá fica o cara, dois para lá, dois para cá, e o cenho franzido, como se daquele contato com o telefone móvel saíssem as mais importantes decisões. Maldade de quem me contou. Vai ver, o rapaz é mesmo empenhado em resolver os pepinos da população.

Uma cronista gaúcha outro dia comentou sobre o assunto. “Quando vejo alguém checando suas mensagens a todo minuto e fazendo ligações triviais em público, não imagino estar diante de uma pessoa ocupada e poderosa, e sim de uma pessoa rendida: alguém que não possui mais controle sobre seu tempo, alguém que não consegue mais ficar em silêncio e em privacidade”. Bate, Marta. É isso mesmo. E já que falei dessa belíssima escritora, termino com suas palavras: Os celulares estão cada dia menores e mais fininhos. Mas são eles que estão botando muita gente na palma da mão. Sobre o moto-táxi, escreveremos depois.

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