terça-feira, 20 de novembro de 2007

O Amor não é necessário


A semana começou mal para os amantes do cinema. Morreram Ingmar Bergman e Michelangelo Antonioni, dois dos últimos gênios da sétima arte. Eram meus cineastas preferidos, supostamente pelas razões que, na perspectiva de alguns cinéfilos da atualidade, os tornavam “chatos” e “monótonos”: a valorização do texto, a profundidade da abordagem dos grandes conflitos da alma humana, a exploração do tema da incomunicabilidade, aliados, obviamente, a um redimensionamento do trabalho do ator emblematicamente realçado por Liv Ullmann e Erlan Josephson no inesquecível Cenas de um casamento, do primeiro. E é sobre o cineasta sueco que decidi escrever na coluna de hoje, não sem antes rever em DVD a versão integral desse filme maravilhoso de 1973.

Saudosismo à parte, considero que não se fazem mais filmes como antigamente. É rever e constatar. Na linha do que fizeram à perfeição Antonioni e Fellini, o filme narra a história de Marianne e Johan, cuja vida de casados parecia exemplar, até que o segundo arranjasse uma amante e a vida se tornasse um inferno para ambos. Tudo com o ritmo lento, sombrio e a dicção tensionada com que Bergman expõe as contradições do homem e da mulher quando decidem pela vida a dois. Jogo de idas e vindas, de altos e baixos, de passionalidade desenfreada e equilíbrio racional com que agem Marianne e Johan em diferentes momentos dessa história fascinante de amor e sofrimento.

O filme, a propósito, como a tornar evidente as projeções do cineasta na trajetória percorrida pelas personagens, teve continuidade em Sarabanda, de 2003, em que Marianne e Johan se reencontram trinta anos depois da separação. Para a realização desse projeto, claro, Bergman convidou a atriz Liv Ullmann, sua ex-mulher e, como disse, a intérprete de Marianne em Cenas de um casamento. A realização do filme, li em uma entrevista de Ullmann à revista Época há muitos anos, reeditou a atmosfera poética do casamento entre esses dois gigantes do cinema. Reproduzo as palavras com que descreveu, por exemplo, o processo de gravação de algumas cenas: “Como o filme foi feito com câmera digital, Ingmar ficava longe da câmera (sic), olhando o monitor num canto do estúdio. Nos filmes antigos ele estava sempre perto dos atores e eu sentia que ele era o meu melhor espectador. Mas, apesar da distância, nós conseguimos estabelecer uma comunicação. Era como se a gente se comunicasse novamente por sinais de fumaça”.

Preciso dizer mais? Sim, vamos um pouco adiante. Cenas de um casamento, além de uma verdadeira obra prima do cinema, nada mais é que a estetização da prodigiosa força do amor tal qual o conhecemos na vida dos casais. Não é muito, pois, referir a uma das cenas mais fortes do filme, quando Marianne, aproveitando-se da circunstancial ausência de Johan, diz para uma entrevistadora na tentativa de definir o que é o amor: “... ninguém nunca me disse o que é o amor. E não tenho certeza se precisamos saber. Mas se quiser uma descrição detalhada, veja na Bíblia. Lá, Paulo descreve o amor. O problema é que sua descrição nos coloca em xeque. Se Paulo estiver certo sobre o amor, ele é tão raro que ninguém o vivencia. Mas em discursos de casamento e outras ocasiões especiais, funciona muito bem. Acho que basta ser gentil àqueles com quem vivemos. Afeto também é bom. Humor, amizade, tolerância. Ter expectativas sensatas. Tendo isso, o amor não é necessário”. Bergman a nos ensinar que o simples e o profundo podem caminhar juntos. Menos mal. Tendo-se ido, o que é lamentável, fica a sua obra. Com que temos muito o que aprender.

Novembro de 2007


3 comentários:

  1. Vida, realmente vc escreve divinamente bem. Faz pensar...
    Gentileza, afeto, humor, amizade, tolerância...não são atributos do amor? O que é o amor senão isso? Sabe lindo, sempre achei o amor único. A gente ama filhos, ama pais, ama amigos, ama namorado, ama amigo. O amor é único, dedicado de forma diferente ao ser amado. É, definitivamente não sou boa com as palavras. Te explico ao vivo e te mostro a diferença do amor dos namorados. Rs!!! Te amo. Valéria

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. Ah, Valéria querida! Você, que sempre surpreende, com palavras tão sensíveis e esse 'olhar' inteligente sobre o fundamental das coisas, agora me vem com este depoimento maravilhoso. Claro que o amor é tudo isto, gentileza, afeto, humor, amizade, tolerância, atributos que conheço melhor desde que conheci você. Obrigado por esse carinho!

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