Dia desses, estando próximo à mesa em que conversava um casal, ouço a frase incisiva: - "Ela gosta de sofrer, se não já tinha esquecido esse homem." Falei com meus botões: aí está alguém que nunca sofreu por amor. É isso. Há dores que precisam ser curtidas, do contrário jamais desaparecerão.
A dor de um amor não-correspondido é um desses casos. Aliás, acho que essa dor, em essência, é igual a dor de qualquer grande perda, guardadas algumas particularidades. A morte de uma pessoa querida é muito próxima disso - sobre o que já se tem dito muito, mas o assunto continua em pauta, como um desses temas que, vira e mexe, voltam como uma eterna novidade.
A propósito, reli há pouco uma crônica de Nelson Rodrigues que é uma pérola sobre o assunto. Está em O óbvio ululante. Nelson recebe o convite de um amigo para um almoço. Entre risadas marcam o encontro para o dia seguinte. Ao meio-dia, estavam num restaurante. É aí que Nelson percebe que o amigo marcara o almoço como um mero pretexto para que o visse chorar, dilacerado de saudade do pai, que havia morrido. - "Éramos amigos e fundamos naquela mesa a nossa solidão (a perfeita solidão há de ter pelo menos a presença numerosa de um amigo real!)."
O amigo lhe abria o coração: - "A morte do meu pai... Nunca me recuperei." Nelson confessa ter sentido vontade de perdir-lhe: - "Nem se recupere, nunca, nunca. Eis a nossa degradação: sofrer menos, menos, até esquecer."
As palavras não valem quando a dor aflora nas grandes perdas. A companhia silenciosa, a mão sobre a mão, o afago sincero, valem muito. As palavras não. Ainda que nascidas das melhores intenções, não valem. Toda grande perda vem acompanhada da pior das sentenças: "Nunca mais!" E é em nome dessa sentença que é preciso curtir a dor, que só o tempo é capaz de curar.
Sobre isso, vêm-me à mente as palavras de Rubem Alves, que leio na Folha: - "Todos os amigos querem diminuir o sofrimento da mãe. Carcam-na com palavras que, pensam elas, trarão algum consolo. Mas que palavra ou poema poderá substituir o seu filho? E a chamam ao telefone para dizer-lhe palavras doces e cheias das intenções mais puras. Mas a pureza das suas intenções não garante a sua sabedoria. E aí, à dor da morte do filho, acrescenta-se uma outra dor: a mãe é obrigada a ouvir os consoladores delicada e pacientemente, com sorrisos de agradecimento... Mas são tantos os consoladores e eles cansam tanto."
De Nelson é a sábia afirmação: - "Os psiquiatras e os psicanalistas deviam-se incubir dos que esquecem fácil." E lembra que estamos tão esquecidos de sofrer, que a dor nos parece, e cada vez mais, uma doença, quase a loucura.
"Tão curto o amor e tão longo o esquecimento", ecoa o verso de Neruda. Vindas da mesa ao lado, no cair daquela tarde, as palavras que me chegam ao ouvido me fazem recordar o poeta chileno. E, no entanto, como desconhecem o que é perder alguém que se ama...
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