Enfim chegara a hora da partida, que aquele pouco mais de dois meses parecera-lhe uma eternidade. A sogra, como fazia todos os anos, desde que o marido morrera, viera visitá-los. Na primeira semana, reconhecia, era uma convivência de certo modo agradável. Gentileza de ambos os lados e, a bem da verdade, de manifestações veladas de carinho e recíproca atenção. Com o passar dos dias, contudo, a coisa ia ficando pesada e o relacionamento quase insuportável, as intromissões na vida íntima do casal uma constante, razão por que, vez e outra, era inevitável tratá-la com rispidez.
A filha indignada.
Prestimoso, conduz nas duas mãos a bagagem da sogra.
- Chumbo!, murmura até o portão, onde deixara o carro estacionado. Aloja-a com desenvoltura no portamalas. Só mais um pouquinho, pensa, e vejo-me livre dessa velha metida.
A filha enxugando as lágrimas com discrição.
A caminho do aeroporto, insincero, uma palavra ou outra gentil. Dizia que os dias haviam passado rápido, que as crianças iam sentir muito a falta da avó...
A mulher olhando de soslaio: - "Um falso, isso sim!", sem dizer palavra.
De repente, numa curva mais acentuada, toca-lhe o calcanhar um sapato alto, que, a custo, consegue esconder sob o banco do carro, sem que a mulher perceba. Lembra, então, da noite passada, quando, doses a mais no happy hour, saíra para um programa com uma colega de trabalho, a consciência ainda pesando-lhe pelo espetáculo num quarto de motel.
- O que há, Marcelo, por que corre tanto?
Finge não escutar, os pingos de suor escorrendo-lhe pela face. E, novamente, o sapato, insistente, confundindo-se com o acelerador do carro, inconveniente, atrevido, denunciador. Empurra-o, outra vez, sem que a mulher acompanhe o movimento do pé, habilidoso em ocultar o que lhe parecia a prova do crime.
- Marcelo, você está esquisito. O que é?
- Eu, imagina! Está tudo bem.
Esboça um sorriso amarelo pelo retrovisor.
- E aí, dona Sílvia, deixando saudade, hein?
Hipócrita! A mulher balbucia por entre os dentes.
A poucos minutos do aeroporto, aproveitando-se da pouca luz do Rebouças, o túnel que começavam a atravessar, a pretexto de fechar a porta do automóvel, como em milagre, consegue livrar-se do objeto incomôdo e ameaçador.
- O que foi, agora, Marcelo?
- A porta, estava aberta.
Atenta à conversa, a sogra levanta as mãos em agradecimento, o olhar no teto do carro, como se fora o céu.
Pára no terminal de embarque, contorna o automóvel, solícito, para abrir-lhe a porta. Só então se dá conta de que a sogra ocupa-se na procura inútil.
- Meu sapato, não estou achando! - diz, tateando o chão.
- O quê? Que sapato?
Aquele de que se livrara minutos antes.
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