Como estivesse discretamente triste, perguntei: mas, não foi você...? Acabara de romper uma relação que tinha tudo para dar certo. Sabe aquele casal bonito, que faz planos, que nos deixa a sensação de que é possível sonhar? Era assim o que nos passava esse casal de amigos. Mas ela disse "acabou". Insisti: mas foi você que rompeu, que não quis mais. Por que ficar assim? Ao que, vacilante, respondeu: - "Porque ainda o amo, mas tenho medo." Num lampejo de memória, ocorreu-me Shakespeare: "De todas as paixões baixas, o medo é a mais amaldiçoada." E ocorreu-me Herculano: "O medo é o pior dos conselheiros." E pensar que esse sentimento maldito vem tomando conta da gente...
A maior parte das pessoas subtrai a vida assim. Tem medo, medo, medo. A minha amiga tinha medo de tudo, quase. Medo de sofrer, de fazer sofrer, medo de ser traída, medo de ser infeliz, medo de ser feliz, disto e daquilo outro. Preferiu permanecer na margem a tentar atravessar o rio e deparar com o desconhecido, que podia ser belo.
A propósito, li outro dia um livro desconcertante. Simples, leve, desses que parecem dizer o óbvio que a gente não percebe, uma propriedade do gênero. Eckhart Tolle, é o nome do autor. Mostra como o medo, que considera uma doença psicológica, não se prende a qualquer ameaça concreta, verdadeira. É fruto da imaginação negativa, e se manifesta com suas diferentes máscaras: preocupação, tensão, nervosismo, pavor, fobia. Esse tipo de medo psicológico, diz ele, "é sempre de alguma coisa que poderá acontecer, não de alguma coisa que está acontecendo neste momento. Você está aqui e agora, mas sua mente está no futuro." Perfeito Tolle, perfeito.
A vida da gente vai se transformando nesta negatividade. Temos medo de tentar, de falhar, de perdoar, de errar, de dar a última chance. É um tipo de defesa do ego que se deixou perturbar. A gente anda com medo da sombra e se vê a si mesma como se vivesse sob ameaça constante. E tudo é tão ilusório. Ah, lembrei o título do livro: O poder do agora, um dos fenômenos da 'literatura espiritual'. Nele o autor desfere o tiro certeiro nesse fantasma da falta de coragem, da covardia que, para a maior parte das pessoas, faz da vida um dois-pra-lá-dois-pra-cá irritante. E, no entanto, a vida é bailarina, já nos dizia Drummond. Tentemos o rodopio, o passo novo, o ritmo do frevo, se preciso for.
Para quem se deixa dominar pelo medo, para quem diz não ao homem que ama mas não é capaz de dizer não à negatividade, errar é morrer. E este sentimento ardiloso está associado sempre ao medo da própria morte. A troco disso, quantos já não morreram ou mataram. Quantas guerras no front do nosso eu interior. Quantas lágrimas rolaram ou vão rolar. Quanta coisa não fica por realizar. Quantos relacionamentos não foram ou serão destruídos.
Falei não, que em certas coisas não se deve meter. Mas deu vontade. "Vai lá, se você ama como diz amar. Vai lá, que o tempo não faz concessões e você pode um dia se arrepender por não ter tido a coragem de tentar de novo. Vai lá, troca o não pelo sim. O ruim é não ter tentado. E se tiverem nascido um para o outro?" Vai ver, está aí o caminho da felicidade. E o medo quedará, rendido, diante da grandeza do amor. Quem sabe.
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