terça-feira, 10 de novembro de 2009

Valorizar o que é seu

"Quando nossos olhos ficam embaçados, nada como usar os olhos dos outros para voltar a valorizar o que é nosso." Bingo. A frase é de Martha Medeiros e, se não me engano, está em Montanha Russa ou Non-Stop.

Você babava toda vez que passava em frente à revendedora de automóveis e via, ainda que à distância, aquele carro 'irado'. Um dia, a custo, conseguiu adquiri-lo e se sentiu o homem mais feliz do mundo. Com o passar do tempo, a novidade foi perdendo a graça e, se pudesse, trocaria pelo modelo do Roberto, muito mais bonito, econômico e com maior valor de revenda. Com a roupa nova, com o sofá da sala, com o fogão, a geladeira que foi amor à primeira vista, cedo ou tarde vai ser assim. O brinco de ouro, o anel de brilhante, a pulseira de prata. O que um dia foi seu sonho de consumo, depois de conquistado, vai aos poucos perdendo o encanto. E você passa a achar desinteressante aquilo que fazia brilhar seus olhos, que o deixava de boca aberta, morrendo de vontade...

Na paixão é assim. A primeira vez que você a viu ficou deslumbrado. No dia em que reparou bem, ele lhe pareceu o homem dos sonhos. Ela tinha um jeito irresistível de recompor o cabelo. Ele usava um perfume que a deixou maluca. Ela era culta, além de bela. Ele era bem-humorado, roubava a cena à mesa do happy hour. Ela era inteligente. Ele falava de um jeito impressionantemente sedutor. E assim, sob a magia do enamoramento, um dia o destino fez com que ele ou ela cruzasse o seu caminho. Namoraram, ficaram apaixonados, casaram.

E o tempo foi passando. Com a convivência, o que era deslumbrante foi se tornando apenas de certo modo interessante. Ele, que lhe pareceu o homem dos sonhos, foi dando a ver seus defeitos. O charme com que ela recompunha o cabelo foi ficando uma mania irritante. A cultura e a beleza dela, tranformaram-se em coisa comum, não a fazendo tão diferente de tantas outras que você conhece. Ele, que roubava a cena com seu bom-humor, foi se tornando um chato. Ela, cuja inteligência lhe causou tanta admiração, agora o aborrece com suas reflexões rebuscadas sobre as coisas mais banais. A sedução dele fez desmoronar sua confiança, e o ciúme tornou a sua vida insuportável.

É que os olhos, com o tempo, vão deixando de ver que além do detalhe que o deslumbrou, ela tinha outras qualidades. Vão deixando de ver que além dos defeitos que só agora você percebeu, é um cara generoso, companheiro, sensível. Vão deixando de ver que, se a forma como recompõe o cabelo agora o incomoda, o sorriso é sincero, o carinho gostoso. Que muito mais que cultura e beleza, ela possui uma virtude sem preço, é família, recebe amorosamente seus filhos, que não nasceram dela. Vão deixando de ver que o que lhe parece chatice, é espontaneidade, é a alegria de viver. Que ela, apesar da conversa sempre séria, que lhe desagrada hoje, está sempre do seu lado, faça chuva ou faça sol. Vão deixando de ver que a sedução dele é natural e não uma arma de traição.

E você, sem que nem perceba, não a valoriza mais, não o admira como antes. E, se é bonita, a namorada do Paulo é muito mais que ela. Se ele é atraente, não tem o approach do marido da Carla. Se ela tem, com efeito, um certo charme, não tem as pernas da Juliana. Se é culta, falta-lhe a sensualidade da mulher do João. Se ele é bem-humorado, não gosta de viajar como o marido da Luiza. Se ela é culta, a Jô tem um corpo... Se ele tem poder de seduzir que a fez ficar nas nuvens de felicidade, um dia, o Marcelo está sarado, tem barriga de tanquinho e se veste irresistivelmente bem. A grama do vizinho...

E, no entanto, se você soubesse o que comentam dela os melhores amigos; se soubesse como as amigas a invejam pelo marido que tem. Se soubesse como admiram o bom-humor com que ele vai tocando a vida; se soubesse... se soubesse...

Se seus olhos estão começando a embaçar, que tal ver um pouco com os olhos dos outros para valorizar mais o que é seu?









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