segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Nota do autor sobre o livro "Do amor e outras crônicas", com publicação prevista para dezembro


Este livro não tem a pretensão de constituir literatura, na rigorosa acepção da palavra. Antes pelo contrário. Reúne textos escritos, um a um, de uma "sentada", por isso, canhestros. Intencionalmente canhestros. Se alguma qualidade tem, que nem tudo que tornamos público há de ser sempre inútil e desnecessário, quem sabe resida aí a sua validade. É a revelação de percepções várias, subjetivas, nitidamente pessoais, e se, não-raro, parecem ter um tom professoral, de quem entende da matéria com que lida, o mais das vezes podem ser lidos como 'ficção', palavra que me ocorre e de que lanço mão um tanto inapropriadamente, na falta de outra que traduza com maior exatidão o que intenciono esclarecer nesta nota.

O tema central aqui focalizado, a paixão e o amor, não resulta, assim, de um 'especialista', mas de um curioso, que procura, sem encontrar, a explicação possível para o mistério dessa experiência a um tempo realizadora e dolorosa do encontro com a outra parte do 'eu' incompleto de cada um. É isso que defino por relacionamento, sobremaneira o relacionamento amoroso. Como leitor, sempre me fascinaram os escritores mais verticais, que se dedicaram ao mergulho desafiador nas águas do que existe de mais profundo no homem. Refiro-me a canônicos, a exemplo de Proust e Dostoiévski, sem desprezar outros tais, menores, mas igualmente tentados a compreender as contradições que marcam a vida a dois. Do primeiro, a análise envolvente do amor e do ciúme através da relação de Charles Swann e Odette, para ficar num exemplo, na segunda parte do livro-monumento que é Em busca do tempo perdido. Do segundo, a criação de tipos psiquiátricos pelos quais explora a possibilidade da 'iluminação', como em Crime e castigo e O idiota. Mas é o olhar atento para a vida dos apaixonados, entre os quais me incluo com compreensível destaque, o outro instrumento com que teço os meus escritos já assumidamente canhestros, aos quais me recuso oferecer o direito ao retoque, à correção de qualquer ordem.

Que complexa matéria são os relacionamentos, os mais íntimos, os amorosos, que constituem o ingrediente seminal dessas despretensiosas crônicas. Exceção parece não existir: durante algum tempo são perfeitos e proporcionam aos amantes a enganosa impressão da mais completa felicidade. Com o passar do tempo vão deslizando para a 'realidade', transformando-se numa relação de amor e ódio. O segredo para torná-los consistentes e duradouros, com a voz de quem é apenas um curioso, um observador atento, talvez esteja em saber dosar as polaridades com que são construídos, a dimensão física e psicológica que estabelece a necessidade do outro para nos sentirmos completos. E na percepção de que todos somos imperfeitos. A utópica perfeição, quase nunca alcançada, vai ver, está no enamoramento de duas imperfeições. Assim como as diferenças do yan e do ying, de que nos fala a sabedoria chinesa. Quando isso não ocorre, estamos fartos de saber, o fim é inevitável. Este livro, para concluir, tem a coragem de discutir por que isso acontece, e o que deixa na contramão da felicidade aparente de cada começo: a dor e o sofrimento. Sem esquecer, contudo, de olhar para a transitoriedade dessa experiência amarga e afirmar que, depois de cada 'fracasso', a vida surpreende com novos milagres do encontro. Que seja agradável já é em si um desenho de que terá valido a pena passar-lhe às mãos esta coletânea, leitor.


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