terça-feira, 17 de novembro de 2009

Samba do avião

Sobrevoando o Rio, leio uma matéria curiosa na Isto é sobre infidelidade feminina. As mulheres, segundo pesquisa, assumem que estão traindo mais. Na cadeira ao lado, uma mulher que apanhara o avião em Fortaleza olha de soslaio para a revista, discreta, apenas correndo o olhar para mim, vez e outra. Finjo não ver, mas diante de sua curiosidade convidativa, retribuo o olhar e só então constato. É bonita, 40 anos, pouco mais ou menos. Previdente, certifico-me de que esteja só, e pergunto se concorda com o teor da reportagem. Sem titubear, diz ela: - "... mais e melhor!" Risos.

Entre curioso e intrigado, indago-lhe por que "melhor". Ela, que me parece de um bom nível cultural, larga um Saramago de que iniciara a leitura e voltando-se na cadeira, esbanja convicção: - "Porque as mulheres aprenderam a diferença entre sexo e amor." Fecho a revista e fico em silêncio, até que me vem a resposta que é mais uma pergunta. Por que então manter uma relação que já não a satisfaz? Por que não romper o casamento falido e sair de vez para a liberdade lá fora? A moça ajeita o cabelo, no que dá a ver um charme que envolve e desfia afirmações peremptórias sobre o assunto, que agora vai tomando um rumo que já conheço de 'outras viagens'.

Fala que nem sempre separar é o caminho, que o casamento não se limita a sexo, que manter uma relação às vezes é o melhor para os dois, que isto e aquilo. Sem vacilar, com a serenidade de quem traz no currículo um histórico de causar inveja a qualquer Luana Piovani. E não espera mais que lhe pergunte. Vai sem-cerimônia, dando exemplos. Referindo-se a uma amiga: - "A Fabíola vive bem com o marido e tem um amante que a realiza sexualmente." Tento questionar o "vive bem com o marido", mas não me deixa falar. E prossegue, desenvolta: - "A Roberta, uma amiga gaúcha de 32 anos, é casada há seis e já teve três homens na vida dela, mas o marido é o mesmo."

Depois de desfiar outros casos de infidelidade entre amigas, Carla, que enfim se apresenta, decorridos dez, quinze minutos de conversa, só então pergunta o que penso sobre o assunto. Digo-lhe que entendo a infidelidade como algo às vezes compreensível, nunca aceitável. Falo-lhe das razões que podem levar a tal experiência. Que, não sendo um crime, poderia ser evitada se os casais fossem mais tolerantes, se buscassem compreender melhor os motivos que levam duas pessoas a decidir pela vida juntos. Quando acho ter contribuído com suas análises, tão pessoais, tão independentes, posto que me escuta atentamente, desconcerta-me: "Fica no Rio até quando?" Digo-lhe que estou indo a São Paulo, onde minha namorada me espera e que estamos ansiosos pelo reencontro, depois de um mês separados. Diz ela, taxativa: - "Ah... Se fosse ficar no Rio, meu marido está viajando e poderíamos nos encontrar para um chope à noite, no Leblon, perto de casa."

Agradeço-lhe a gentileza, olho através da janela do avião e, discretamente, baixinho, canto o samba de Jobim: "Cristo Redentor, braços abertos sobre a Guanabara, estou morrendo de saudade..."



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