sábado, 30 de maio de 2009

A decisão que faz sofrer

"Somos as nossas escolhas."(Meryl Streep)

Cinéfilo atento, leitor telefona: "Adorei sua coluna sobre namoro virtual. Muito boa, como tudo o que você escreve (sic). Mas, posso fazer uma correção?" Agradeço a gentileza e peço que o faça, que fique à vontade. Ele diz: "A fala que você citou no final não é de Woody Allen, mas está no filme As Pontes de Madison, de Clint Eastwood." Perfeito. Errei feio. De fato, é uma fala da personagem Francesca, interpretada por Meryl Streep neste belíssimo drama do autor de Um Mundo Perfeito (1994). Está justificado o equívoco. É um dos filmes de que mais gosto no gênero, um verdadeiro épico romântico sobre o amor e seus (des)encontros. Prometo-lhe escrever sobre o filme. Faço-o na coluna de hoje.

O enredo é simples. Para aqueles que ainda não o viram, gira em torno de uma mulher de meia-idade, casada, com filhos, entregue a uma vida absolutamente tranqüila e acomodada. O marido é um soldado, por quem Francesca troca a Itália pela América e passa a viver numa fazenda, dedicada aos afazeres de mãe e dona-de-casa. Até que um dia, enquanto a família está viajando para participar de uma feira de agropecuária, sozinha em casa, Francesca é surpreendida pela presença de um homem, Robert Kinkaid (Clint Eastwood), fotógrafo de uma revista importante contratado para fotografar as famosas pontes da região. Robert acha-se perdido e pede ajuda. Francesca, num gesto que em princípio é de pura gentileza, decide acompanhá-lo até o local.  Começa aí uma comovente história de amor.

Por que, então, uma obra de tessitura tão rasa, com soluções aparentemente fáceis e previsíveis, pode exemplificar algo que se considere bom no gênero? Decerto porque o filme, na singeleza de seu apelo, trata do que há de mais profundo na alma humana: a dúvida, esse tema eterno que já imortalizou autores de diferentes épocas e estilos, de Shakespeare a Machado de Assis. Na contramão do que pode sugerir a simplicidade da obra de Eastwood, o que sobressai é o conflito dilacerante que toma conta de Francesca, dividida entre retornar ao mundo das convenções, emblematizado na estabilidade de um casamento "normal", e a coragem de transformar a vida de tanta gente em favor de sonhos que renascem de forma inesperada, inquietante e ardentemente sedutora.

Robert e Francesca passam quatro dias juntos, apaixonam-se, mas têm de decidir o que pretendem fazer de suas vidas. O enredo, como se vê, reedita velhas histórias do cânone cinematográfico, mas o faz na perspectiva de um tempo psicológico que independe da realidade geométrica que sinaliza o passar das horas, envolve o espectador num ritmo que se arrasta, torna-o cúmplice, enreda-o com uma força poderosa. Não bastasse a fotografia arrebatadora, e o desempenho irrepreensível de Meryl Streep, numa de suas mais belas atuações, Eastwood revela-se a partir desse verdadeiro épico romântico um diretor de sensibilidade notável, o que torna o filme extremamente poético, em que pese o despojamento dos recursos e a leveza de sua concepção.

De novo: o que impressiona no filme? É que nos vemos na pele de Robert e Francesca. Eles vivem o drama que todos nós, cedo ou tarde, fomos ou seremos condenados a viver. Faz-nos levantar os olhos para as velhas questões: o amor, tal qual nos ensinaram um dia, só acontece uma vez? É possível amar duas pessoas com intensidades e de formas diferentes? Deve-se renunciar aos desejos e às fantasias, que brotam do mais profundo da subjetividade, em função do que está socialmente estabelecido? Do "politicamente" correto? Pode-se voltar a amar a pessoa que amamos um dia e que, por um tempo, deixamos de amar? São essas e outras questões que o filme coloca-nos em seus pouco mais de 120 minutos - e que parecem não ter fim! -, mostrando com ternura o lado inconfessável, tortuoso e inseguro de cada um de nós. Quem não passou ou passará um dia por tais provações? Por isso, revi o filme em DVD. Se você não o viu ainda, faça-o agora. É provável que se veja nele. Mas guarde lágrimas e coração. 


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