sábado, 30 de maio de 2009

A lição de Susan Boyle

O que parecia ser uma cena bizarra, dessas que se veem aos montes na tevê, comoveu o mundo inteiro essa semana. Estou falando da escocesa Susan Boyle, que deixou boquiabertos os jurados de um prestigiado programa de 'calouros' da televisão inglesa e deslumbrou a plateia que lotava o auditório, depois de ser recebida com risos de deboche pelo simples fato de ser feia e desengonçada. Susan interpretou a canção Dreamed a dream, do musical Les miserables, e, com a beleza de sua voz e o prodígio do seu talento, deixou magnetizados queles que a ridicularizavam minutos antes. Tem 48 anos, está desempregada e afirmou jamais ter sido beijada.

Vi e revi a sua apresentação num vídeo na internet. Como me comovo com beijo de novela, para lembrar a canção de Baleiro, confesso que não deu para conter a emoção diante da cena, a um tempo simplória e divina. Fiquei imaginando como o caso de Susan se presta para revelar a vida da gente. Temos uma inclinação irrefreável para julgar precipitadamente - o conteúdo, pela embalagem; o significado, pelo significante; a realidade, pela aparência. Atire a primeira pedra quem nunca o fez. Estou certo?

E, no entanto, quantos equívocos nos levam a dar com os burros n'água. O sujeito anda em desalinho e, logo, fazemos a imagem do que é a sua intimidade: - "Um desorganizado, a vida uma bagunça." Anda arrumadinho, é sonho de consumo das mulheres; fala com simplicidade, 'um ignorante'; arrota conhecimento, é 'um sábio'; é introvertido, não é dado a badalações, ao sorriso largo, 'um chato, pensa que é mais do que é. Vamos construindo imagens quase sempre sem correspondência com a realidade. Nossos mitos de cada dia. E o mundo vai se tornando um zoo de gatos que se passam por lebres, de lobos travestidos de cordeiros, num baile de fantasias e enganações. Ocorrem-me as palavras do meu velho pai: - "Não se deixe engambelar." O termo não se usa mais, mas servia para definir a prática dos dissimulados, dos embusteiros, que se multiplicaram com o passar dos tempos.

Do livro das misses, como se aludia pejorativamente ao conto de Saint-Éxupery, recordo a passagem do encontro da raposa com o Pequeno Príncipe. "Tu serás para mim único no mundo", diz ela. E desfere a frase antológica: "Só com o coração podemos ver bem." Que bela alegoria para dizer do homem e dos seus equívocos, reedição do mito de Platão. As aparências a confundir os olhos...

Por sob a feiúra e o desleixo de Susan Boyle, com que foi julgada no primeiro instante, havia a mulher adorável, a voz e a sensibilidade contagiantes. Jurados e público, rendem-se ao talento dessa mulher que não se via antes; beldades, como Demi Moore, caem em prantos. A arte de Susan, como no livro de Exupéry, serviu para mostrar que "é no deserto que encontramos a verdade." No desfecho do conto, recordemos, o Príncipe volta para o seu planeta de origem, não sem antes assinar a grande lição, essa verdade de que estamos esquecidos: "O essencial é invisível aos olhos."

25 de abril de 2009

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