A vida é a arte do encontro, embora haja tantos desencontros pela vida. (Vinícius de Moraes)
Rosa Monteiro, citando o escritor Alejandro Gándara, diz, em A Louca da Casa: "Amar apaixonadamente uma pessoa sem ser correspondido é que nem estar num barco e enjoar - você acha que vai morrer, mas nos outros só provoca risadas." E, no entanto, a dor que se sente é insuportável. Todo fim de relacionamento, sobretudo daqueles que tiveram vida longa, é desconcertante. E não adianta insistir que "foi melhor assim", que "Deus sabe o que faz", que "o importante é a amizade que ficou", "que isso passa e logo vai aparecer alguém", palavras e expressões que nada dizem para quem desaba abismo abaixo naquele instante. Balela. Não há separação tão equilibrada que atenda à vontade dos dois. Um lado vai sair machucado, invariavelmente. E só quem passou por uma situação assim é capaz de entender a extensão e a profundidade dessa dor. A coisa pega, queima, sufoca, estrangula, quando se vive esse martírio sem nome.
Cecília Meireles tem um verso antológico sobre o tema: "A maior pena que eu tenho, punhal de prata, não é de me ver morrendo, mas de saber quem me mata". Ao amante desiludido, custa aceitar a idéia de que se possa ter esquecido tudo. De que o "eu te amo" agora nada represente. Que o outro não se recorde das coisas boas vividas a dois, de que para ele nada mais signifique a lembrança de tudo aquilo que se viveu junto, e do que ainda se tinha por fazer.
Alencar termina Iracema com uma frase lapidar: "Tudo passa sobre a face da terra." Aos poucos, enfim, vai diminuindo o vazio, a equivocada sensação de que nada mais vale a pena. Volta-se a crer na vida, a agradecer milagre de cada amanhecer. Compreende-se a difícil realidade de que ninguém é de ninguém. E de que o amor é comunhão, não existe se não é recíproco. Silenciosamente, vai nascendo dentro do peito um novo sentimento, uma esperança que não é a esperança utópica de que falou Nietzsche, aquela que só prolonga o tormento. É a esperança que já tem o gosto inconfundível da felicidade. Recobra-se o amor-próprio, refaz-se a auto-estima, lida-se melhor com a solidão.
Por que se tornam inimigos os ex-amantes? É a precariedade dos homens, a ingratidão para com a felicidade que não foi eterna, a incapacidade para o perdão? Sim, é tudo isso, mas acima de tudo, é não saber perder. No belo romance Em Tuas mãos, a escritora portuguesa Inês Pedrosa diz sobre isso algo que considero indispensável citar: "A separação pode ser o ato de absoluta e radical união, a ligação para eternidade de dois seres que um dia se amaram demasiado para poderem-se amar de outra maneira, pequena e mansa, quase vegetal." E, continua: "Só nós dois sabemos que não se trata de sucesso ou fracasso. Só nós dois sabemos que o que se sente não se trata - e é em nome desse intratável que um dia nos fez estremecer que agora nos separamos. Para lá da dilaceração dos dias, dos livros, dos discos e filmes que nos coloriram a vida, encontramo-nos agora juntos na violência do sofrimento, na ausência um do outro como já não nos lembrávamos de ter estado em presença." E desfere o golpe certeiro: "É uma forma de amor inviável, que, por isso mesmo, não tem fim."
Hora dessas, de repente, deixa de importar se ela continua a usar os brincos que você deu, se ele ainda bebe rum, se parou de fumar. Se ele melhorou o inglês, se ela aprendeu a estacionar, se ainda lembra de você, por que deixou de amar. Um dia, quando você menos espera, a química ressurge, no semáforo - quando os carros se alinham -, no supermercado, no elevador - onde ele gentilmente segurou a porta para você entrar -, no barzinho da esquina, num lampejo de olhar. Vem sorrateira, num cruzar de pernas que só você percebeu, no jeito excêntrico de usar as mãos, de recompor o cabelo, de renovar o batom. Aí, todos sabem, sente-se aquele friozinho que não se pode definir, os olhos brilham, o coração batuca - e então, como no verso memorável de Bandeira, "os céus se misturaram com a terra e o espírito de Deus voltou a se mover sobre as águas". O ciclo vicioso da paixão. Depois, está na canção do Roberto, o tempo, que transforma todo amor em quase nada.
17 de março de 2007
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