domingo, 31 de maio de 2009

Linguagem da paixão

Volta e meia, perguntam-me porque deixei a atividade política. Respondo com as palavras do escritor Mário Vargas Llosa logo que perdeu as eleições para a presidência do Peru: "O que me pareceu mais chocante foi descobrir como as idéias [na atividade política] não têm o menor papel, nem valores, nem imaginação. Tudo está entregue à manobra, à intriga, ao jogo mais cínico, o qual tem enorme e decisiva eficácia na ação política. Creio que é importante levar isto em conta, saber que a política é também isto e que quem quer fazer política guiado por valores, deve saber jogar esse outro jogo."

Por falar em Vargas Llosa (pronuncia-se Lhôsa), que considero um dos escritores-chave da literatura contemporânea, é autor de La guerra del fin del mundo (A guerra do fim do mundo), bela reconstituição da trajetória de Antônio Conselheiro e da guerra de Canudos feita por um dos mais sensíveis humanistas das letras latino-americanas. Li-o em edição original de 1981, de que guardo as melhores impressões pela densidade do relato e funda compreensão dos significados simbólicos do conflito, como se sabe, muito mais do que um acontecimento meramente missionário ou um movimento de fanáticos, como durante muito tempo professava a História oficial. Construído, pois, com a beleza estilística inconfundível de um mestre, o livro, embora dialogando com a obra monumental de Euclides da Cunha – a quem "em el outro mundo" é dedicado – acrescenta ao fato histórico tantas vezes explorado a fina sensibilidade de um romancista comprometido antes de tudo com a arte, razão por que considero uma leitura indispensável aos amantes da grande literatura.

Mais recentemente, li dele Linguagem da paixão, livro de crônicas bastante interessante, originado da coluna "Pedra de Toque", que escreveu para o jornal espanhol El Pais entre 1992 e 2000. Nele estão algumas pérolas do grande observador da vida, de um mundo fragmentado e disperso, em que pesem os efeitos não menos perniciosos da globalização. Na crônica que dá nome ao livro, Llosa presta uma justa homenagem ao escritor mexicano Octavio Paz, que viveu em meio a controvérsias (decerto porque não se deixou dominar nunca pelo sectarismo de ordem política, cultural ou intelectual), não obstante fosse autor de uma das mais sólidas produções literárias do seu tempo. Lembra o triste episódio em que manifestantes mexicanos, conterrâneos de Paz, puseram por terra uma efígie do escritor sob o impiedoso grito de guerra: "Reagan, rapaz, teu amigo é Octavio Paz!" É que o senso comum tende a pensar no mundo como algo polarizado entre o bem e o mal, o certo e o errado. Na política, também, tende-se a viver dividido entre efusivos elogios e inflamadas abjurações.

27 de outubro de 2007



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