domingo, 31 de maio de 2009

Encontro com um Rei

O mito é o nada que é tudo. (Fernando Pessoa)
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Conviva de Hildernando e Fátima, às margens deslumbrantes do Trussu - e numa quase noite particularmente agradável - cercado de grandes amigos, conversando sobre música popular brasileira, contei essa história: Fui sempre muito reticente em relação a reverenciar pessoas famosas, políticos de prestígio, intelectuais, artistas consagrados etc. Não podia entender como era possível que mulheres, sobretudo, ficassem horas a fio em frente a hotéis na esperança pueril de ver, por alguns segundos, seus ídolos de perto. Aqueles bilhetes quilométricos com duas ou três palavras do tipo "eu te amo, eu te amo", então, deixavam-me aturdido. Assim, amante das viagens, tive muitas oportunidades de privar da rápida convivência com alguns grandes nomes do teatro, da literatura, do cinema e da política. Conversei, não raro demoradamente, com celebridades como Darcy Ribeiro, Lula, Edgar Morin, Paulo César Saracceni, Walter Lima Jr., Jorge Amado e Zélia Gattai, para ficar em uns poucos de que me lembro agora. Só achava possível me emocionar, exercitar um tipo qualquer de tietagem - por razões que não saberia explicar -, diante da figura de Carlos Drummond de Andrade ou Roberto Carlos, dizia.

Com o primeiro, jamais estive, não tendo sido raras as vezes em que, no Rio, andei pelas proximidades do seu prédio na esperança de vê-lo sair para as suas costumeiras caminhadas pelas ruas de Ipanema. Não tive sorte. O Urso Polar se foi antes que pudesse vê-lo, à distância ainda que fosse. Com o segundo, aconteceu de estarmos hospedados no mesmo hotel, em Juazeiro do Norte, há coisa de uns dez ou doze anos. De manhã, no hall de entrada, deparamos, uns amigos e eu, com D. Laura, que, inusitadamente, acompanhava o filho em sua turnê por cidades do Nordeste. Muito simpática e possuidora de uma ternura contagiante, a boa senhora generosamente cedeu ao apelo de que nos levasse até o Rei, que dormira dentro do ônibus, a poucos passos de onde estávamos.

Minutos depois, aparece Roberto Carlos e, através do pára-brisa, acena para nós, como um rei em tudo convincente. Em princípio, resiste aos pedidos de que desça, de que venha até seus "súditos", àquela altura magnetizados pela presença desse artista diferenciado e dotado de um carisma sem par. Eis que nos surpreende, manda que lhe abram a porta do veículo e desce lentamente. A emoção tomou conta de todos. Diante de nós, abraçando-nos carinhosamente, na simplicidade de um jeans desbotado, está ali, conosco, por minutos que pareceram uma eternidade, um verdadeiro mito, uma figura humana iluminada, portadora de uma energia extremamente positiva e capaz de exercer sobre os circunstantes um sortilégio que não consigo definir com palavras. Vimos que, se existem homens abençoados, Roberto Carlos é um deles.

Desde então pude compreender melhor essa visão idealizada que o público tem dos seus ídolos, essa magia que toma conta de milhares de pessoas a um só tempo, em shows, em aparições às vezes meteóricas, mas invariavelmente inesquecíveis. A diferença, ainda quero crer, é que, em se tratando de Roberto Carlos, esse magnetismo é inexplicável e desconcertante, posto que capaz de se instalar em pessoas de diferentes faixas etárias, níveis sociais, econômicos ou culturais.

Por que Drummond ou ele, Roberto Carlos? Não sei. Supostamente pelas mesmas razões que levaram um artista de prestígio internacional, um gênio como Caetano Veloso, a dizer de um encontro com ele em Londres: "Ao atender seu telefonema para marcar a visita, Rosa Maria Dias não acreditou que fosse verdade e, ao render-se à evidência, chorou. [...] Como um rei de fato, ele claramente falava e agia em nome do Brasil com mais autoridade (e propriedade) [...] do que intelectuais de direita e de esquerda, que a princípio não nos entendiam e agora queriam nos mitificar: ele era o Brasil profundo. [...] Foi algo avassalador. Eu chorava tanto e tão sem vergonha que, não tendo um lenço nem disposição de me afastar dali para buscar um, assoei o nariz e enxuguei os olhos na barra do vestido preto de Nice, enquanto Roberto repetia com ternura: Bobo, bobo". Talvez, ou quem sabe, porque marcou de forma indelével a minha geração - e suas canções fizeram parte das minhas muitas histórias de amor.
13 de abril de 2007

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