sábado, 30 de maio de 2009

Amadeo Modigliani



Vira e mexe, um aluno levanta a questão irrespondível: - "Todo grande artista é louco?" Hum! A última aconteceu esta semana, durante uma aula sobre arte moderna. Falava de Modigliani, genial pintor italiano que teve uma vida dolorosa, marcada por ocorrências chocantes. Aliás, a exemplo do que se fez com outros grandes nomes das artes plásticas, como Picasso e Vermer, cujas vidas foram curiosamente registradas no cinema, recomendo Modigliani, que repassa a dramática trajetória desse fenômeno da pintura interpretado à perfeição por Andy Garcia. Um filme belíssimo, obrigatório para os amantes da pintura, perpassado de paixão e sofrimento, componentes indispensáveis quando se fala da vida pessoal de Amadeo Modigliani.

Era baixinho, com um metro e sessenta e cinco, esquálido, ombros estreitos, mas bonito e possuidor de um magnetismo irresistível para homens e mulheres. Segundo Rosa Montero, que fez sua biografia amorosa no livro Paixões, sobre o qual escrevi na coluna de sábado, nas raras vezes em que estava feliz, Modigliani impressionava pela elegância e pelo charme incomuns. Cita Cocteau, para quem Amadeo era um tipo "esplendoroso". Pois bem. O filme de Mick Davis, de forma extremamente poética, registra, assim, a vida desse homem a um tempo genial e atormentado, na Paris de inícios do século XX. A obra expõe o clima de animosidade, inveja, competição, tramas inconfessáveis que permeiam a sociedade artística parisiense, nomeadamente a rivalidade entre Modigliani e Pablo Picasso.

Não querendo fugir ao propósito da coluna de hoje, que assenta-se na curiosidade de um aluno acerca da insanidade dos grandes artistas, sinto-me motivado a discorrer um pouco mais sobre este pintor maravilhoso que é Amadeo Modigliani. Então: Dono de um traço inconfundível, em que pontificam nús arrebatadores, para não me reportar aos longos pescoços de suas retratadas, invariavelmente possuidoras de uma beleza exótica e sedutora, Modigliani deparou sempre com uma realidade adversa, passando por cruéis provações. Seus quadros não agradavam, suas exposições resultavam em nada, não vendia e passava ao largo da atenção dos críticos.

Viciado em haxixe e álcool, o pintor descambou para a ruína. Dormia em pensões sórdidas, não raro em bancos de praças, sem dinheiro e desumanamente sujo. Como todo grande artista, por miserável que seja, Modigliani viveria a sua grande paixão. Conquistou o coração da jovem Jeanne Hébuterne, treze anos mais nova, filha de uma família de classe média estruturada. Começava uma das relações de amor mais trágicas da história da arte. O casal viveria em conflito; Jeanne, objeto de maus-tratos, traições e abandono.

Rosa Montero escreve em sua biografia uma metáfora prodigiosa para evidenciar os passos da destruição de Amadeo: - "Quando uma pessoa se instala no sofrimento, alguma coisa impele a aumentar a dor, da mesma maneira que a língua cutuca uma e outra vez a pequena ferida de uma gengiva até transformá-la em chaga." Certa vez, grávida e debilitada, sem forças para assistir o amante em delírio, Jeanne tranca-se durante muitos dias com Amadeo, consumindo apenas álcool e restos de comida. Anotaria em seu diário, contudo, que esses foram os dias mais doces de Amadeo como amante, aqueles em que lhe proferiu as palavras mais amáveis e mais carinhosas.

Encontrados por um amigo, também pintor, Modigliani seria internado num hospital em estado terminal. Morreria três dias depois. Em gravidez avançada, Jeanne Hébuterne atira-se pela janela do quinto andar da casa dos pais. O enterro de Modigliani transformou-se num acontecimento, contrariamente ao de Jeanne, sepultada em quase absoluta solidão. Tempos depois, os restos mortais de ambos foram ajuntados no mesmo túmulo. Visitei-o, um dia, no cemitério de Père Lachaise, em Paris.

Ao curioso aluno, tentei responder: Não, nem todo grande artista é um louco. Não importa se me ocorrem neste instante os nomes de Van Gogh, Mozart, Rimbaud, Paul Verlaine, Baudelaire, Caravaggio, Genet, ou mais próximos e contemporâneos nossos, como Cazuza e Raul Seixas. Acho que a arte é um ofício de libertação. Pintar, cantar, escrever, dançar, são antes de qualquer coisa uma forma de libertação da alma. E isso implica em romper com os grilhões que sufocam a subjetividade e as verdades humanas. Os muito certinhos, como vi num livro de que não lembro agora, tornam-se bons maridos, mas suas canções, poemas e pinturas, raramente entrarão para a história. É que "A beleza faz exigências dolorosas", como afirmou o próprio Amadeo Modigliani.







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